quinta-feira, 4 de julho de 2013

Bandinhas: Manuel Bandeira sobre a Banda de Itaguara


A historiadora itaguarense Ana Maria Nogueira Rezende mostrou-me uma preciosidade alguns anos atrás. lembrei-me especialmente dela nesta semana, ao terminar a prazerosa leitura da Antologia Poética de um dos maiores poetas de nosso tempo, Manuel Bandeira.

Leia abaixo a belíssima crônica escrita pelo poeta, ao ouvir pela Rádio Nacional a apresentação de nossa Banda de Música Nossa Senhora das Dores:


BANDINHAS
Manuel Bandeira

DOMINGO PASSADO, à noite, liguei o rádio, girei o ponteiro e quando êle caiu na onda da Agência Nacional, comecei a ouvir uma coisa deliciosa - a inefável valsinha "Saudades de Ouro Prêto", tocada de corpo presente pela bandinha de Nossa Senhora das Dores de Itaguara. Onde ficará Nossa Senhora das Dores de Itaguara? Sei, por enquanto, que é em Minas. Procurei em vão o nome no Atlas Geográfico Melhoramentos, encontrei o de Itaguara no livro Divisão Territorial do Brasil, editado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sei ainda, por informação do locutor da Nacional, que Nossa Senhora das Dores de Itaguara está a 24 horas de ônibus. Deve, portanto, ser um paraíso.

Uma das lembranças mais gratas que eu conservava das minhas andanças pelo interior no Brasil era a das bandinhas municipais. No começo do século não havia cidadezinha nossa que não tivesse a sua. Às vezes tinha duas, que se emulavam galhardamente, como na Campanha mineira, por volta de 1906, a dos irmãos Grilos e a do Pompeu. Parece que de lá para cá as coisas mudaram e esse gênero tão simpático da cultura musical popular decaiu por tôda parte. Agora tentam reanimá-la e sinal disso é essa excursão da bandinha de Nossa Senhora das Dores de Itaguara à nossa Capital. É de esperar que outras municipalidades do interior imitem o gesto da mineira e nos mandem cada uma a sua charanguinha.

A banda de Nossa Senhora das Dores de Itaguara fêz um bonito domingo. Foi uma série de dobrados que me matou as saudades raladas em que eu andava de trombones e pistões. Desde menino tenho um cantinho do coração reservado para os bonitos dobrados. Adoro Bach, Vivaldi, Mozart, mas adoro também essa maravilha que é o "Cisne Branco". Vila-Lôbos me prometeu em disco essa e outras obras-primas do gênero (o "Andrade Neves", por exemplo). Jacaré me mandou? Nem êle! Certo dobrado da bandinha de Itaguara (esqueceu-me o nome, mas esta é de autoria de um músico local) tinha a mesma pungência nostálgica, o mesmo brio rítmico do "Cisne Branco". Fiquei encantado.

Será que Carlos Drummond de Andrade ouviu êsse programa da Agência Nacional? Que excelente assunto para uma crônica como estas que ele reuniu no recente volume Fala, Amendoeira! Saibam os leitores que ganhei um exemplar de luxo com a seguinte dedicatória:

Tu falavas tanto, amendoeira...
Por que hoje te calas, criatura?
- Assim ouço melhor a pura
Flauta de papel do Bandeira.
Ao que respondo assim:
Carlos, teu fã Manuel Bandeira
Tem apurado o ruim flauteio
Escutando certa amendoeira
Do pátio interno do "Correio".

4/12/1957

Retirada do Livro:
Manuel Bandeira. Poesia e prosa. Introdução geral por Sergio Buarque de Holanda e Francisco de Assis Barbosa. Rio de Janeiro: Editôra José Aguilar, 1958. 2 volumes.
páginas 595-596
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