terça-feira, 28 de abril de 2020

Um poema de Antonia Pozzi

Corredor de Freiras

Talvez tenhas razão:
talvez a verdadeira paz
somente se encontre
num lugar escuro como este,
num corredor de colégio,
onde as moças se pavoneiam a cada dia,
deixando nas paredes
casacos e capuzes;
Onde os velhos pobres
que vêm pedir
se contentam com umas poucas moedas
oferecidas por Deus;
Onde, ainda cedo, por culpa
das janelas fechadas,
se acendem as lâmpadas
e não se aguarda
ver morrer a luz,
ver morrer a cor e a saliência das coisas;
Contudo, ide ao encontro da noite
com outra luz acesa ao alto,
e a alma que arde não sofrerá
a revelação da sombra.

Antonia Pozzi
(Milão, 12 de Novembro de 1931)

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Para todos os que acreditam e/ou se inspiram em Cristo

Hoje, sexta-feira da paixão, é um dia cujo simbolismo importa a todos os cristãos do mundo inteiro e também aqueles que, vacilantes na fé ou críticos dos ritos eclesiásticos, reconhecem e inspiram-se na mensagem e no ideário de Jesus.

Rememora-se Sua paixão e morte de cruz, o mais doloroso e plangente fenecimento. Em vão Ele não pode ter morrido. Até para os descrentes, a motivação de sua morte é incrivelmente forte para ser desconsiderada. Comumente, se diz que morreu para salvar toda a humanidade dos pecados. Isso também o é, principalmente sobre a ótica da teologia. Mas morreu, sobretudo, porque enfrentou os poderosos de seu tempo e criticou o sistema de dominação dos mais pobres e contestou o Templo. À luz da história e da análise dos evangelhos, a morte de Jesus Cristo nos rememora um enfrentamento inédito ao sistema vigente. Ele também nos apresentou seu Pai como o Deus da misericórdia, do amor e do perdão. Não o Deus do temor e da punição. Trouxe vida, luz e esperança ao mundo. Renovou a aliança do povo com Deus e instituiu uma nova ordem.

Imagem de Cristo em uma procissão na Espanha AP

Um fato: A sociedade atual é muito distante daquela preconizada por Jesus Cristo. Muitos dos que se dizem cristãos e estão, regularmente, em suas igrejas ajoelhados e orando farisaicamente, são os primeiros a fazerem julgamentos antecipados, a propagarem o ódio e a intolerância, a disseminarem o preconceito e a brutalidade. Em suma: estão contrariando frontalmente os ensinamentos de Jesus Cristo. Não honram Seu nome!

A Bíblia é riquíssima em exemplos e fiz aqui um recorte de trechos (fora dos evangelhos) que demonstram a incompatibilidade do cristianismo com a ganância, a vaidade excessiva, a ira, a gabolice, a injustiça, a opressão e a inverdade. Observe:

Isaías 56:11, E estes cães são gulosos, não se podem fartar; e eles são pastores que nada compreendem; todos eles se tornam para o seu caminho, cada um para a sua ganância, cada um por sua parte.
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Eclesiastes 5:10, O que ama o dinheiro nunca se fartará dele; quem é apegado às riquezas nunca se farta com a renda. Isto também é vaidade.
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1 Timóteo 6:10, Porque o amor do dinheiro é a raiz de todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e afligem a si mesmos com muitos tormentos.
11, Mas tu, ó homem de Deus, fuja destas coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão.
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2 Coríntios 10:17, Aquele, porém, que se gloria, glorie-se no Senhor. 18, Pois não é aprovado aquele que faz recomendação de si próprio, mas sim aquele a quem o Senhor recomenda.
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2 Timóteo 2:15, Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.
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Ao ler o livro sagrado dos cristãos, percebe-se, com muita facilidade, que há muita gente usando o nome de Deus equivocada ou sordidamente. Mas é possível mudar isso? Sim. Podemos e devemos mudar nossas posturas, assumindo uma postura verdadeiramente cristã e incentivar os outros a fazê-lo.

O ser humano pode mudar até os últimos dias de sua vida e dignificar a sua existência. Se não acreditarmos nisso, não acreditamos na humanidade e, por consequência, sequer somos capazes de acreditar em nós mesmos. Isto é, assumimos uma condenação moral certa (e, para os que crêem, espiritual também). Restaria à humanidade assistir, passivamente, ao seu próprio fim. Mas não é nisso o que cremos os cristãos. Estamos seguros de que o homem pode mudar a si mesmo e assumir uma nova postura diante de Deus e, por conseguinte, diante da vida em sociedade.

Se há um momento capaz de propiciar uma mudança de rota de vida, este momento é a sexta-feira santa dos cristãos, especialmente neste momento único que estamos vivenciando – de sofrimento, afastamento social e aprendizagens.

Não desanime. Se reina o ódio dentro de você, de sua família ou da instituição da qual você participa ingenuamente, mude. Ainda há tempo! Se há vida, há tempo. Nunca é demais rememorar que Jesus converteu um ladrão poucos minutos antes de cumprir sua sentença:

Evangelho segundo São Lucas (Lc), capítulo 23: 35-42

A multidão conservava-se lá e observava. Os príncipes dos sacerdotes escarneciam de Jesus, dizendo: Salvou a outros, que se salve a si próprio, se é o Cristo, o escolhido de Deus!

Do mesmo modo zombavam dele os soldados. Aproximavam-se dele, ofereciam-lhe vinagre e diziam:

_ Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo.

Por cima de sua cabeça pendia esta inscrição: Este é o rei dos judeus.

Um dos malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra ele:

_ Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós!

Mas o outro o repreendeu:

 _ Nem sequer temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício? Para nós isto é justo: recebemos o que mereceram os nossos crimes, mas este não fez mal algum. E acrescentou:

_ Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino!

Jesus respondeu-lhe:

_ Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso.

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Mudar a nós mesmos e, por consequência, a nossa sociedade não é apenas possível, mas necessário e urgente! Urge reinstituir os verdadeiros valores cristãos!

Alisson Diego

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Andrà Tutto Bene

É coronavírus pela manhã, Covid-19 à tarde e pandemia à noite. O assunto domina 24 horas por dia das nossas vidas nas últimas semanas. A temática subordina a pauta mundial como nunca antes visto. É verdade que outras pandemias ocorreram no planeta e muito mais letais do que a atual, como, por exemplo, a gripe espanhola que dizimou cerca de 50 milhões de pessoas no início do século passado, tendo entre as suas vítimas fatais mais ilustres o presidente do Brasil, Rodrigues Alves. Outra pandemia, a Peste (como ficou conhecida a pandemia de peste bubônica, na Idade Média), teria provocado a morte de cerca de 100 milhões de pessoas, de acordo com as estimativas mais conservadoras, em meados do século XIV.

Esta pandemia atual, contudo, mesmo possuindo letalidade menor do que as supracitadas, assusta-nos, sobremaneira, porque é a primeira grande pandemia na era da informação e economia globalizadas. Alguns dirão que a H1N1 também assustou no início da década passada. Lembro-me de que estava no primeiro ano como prefeito de Itaguara, quando a pandemia de H1N1 assombrou a humanidade. Fizemos um comitê de enfrentamento à pandemia, reunimos com autoridades sanitárias e adotamos todos os procedimentos orientados pelo Ministério da Saúde (não se cogitou, em momento algum, fechamento de comércio ou isolamentos sociais). Não me lembro se Itaguara registrou algum caso naquela oportunidade, mas consultando os dados oficiais, percebe-se que comparar a Covid-19 com a H1N1 não é adequado. Em apenas três meses, a Organização Mundial de Saúde (OMS) registrou 14.652 casos fatais pela Covid-19, enquanto a pandemia de H1N1, em 16 meses, matou 18.449 pessoas . Somente a Itália, já registrou mais de 11 mil mortes ocasionadas pelo novo coronavírus.

Escrevo em 30 de março e os dados para a Covid-19 para o Brasil são :  4.579 casos confirmados e 159 mortes. No que concerne à taxa de letalidade do novo coronavírus, estima-se que varia de 2% a 3%, enquanto a da H1N1 foi estimada em cerca de 0,02%. Definitivamente, não é razoável comparar esses dois momentos pandêmicos. Estamos, incontestavelmente, vivenciando um momento histórico.

Este jornal, provavelmente, terá em sua capa o coronavírus e trará matérias verdadeiras sobre as consequências para a nossa região. A imprensa, em todo o mundo, tem cumprido o seu importante papel de informar e conscientizar a população neste momento crítico. Tenho lido e visto matérias corretas, mas também presenciei reportagens inverossímeis. Algumas sem qualquer fundamento científico. Pior ainda é observar as redes sociais. De cada 100 postagens que recebo, 95 são Fake News. Pessoas, que neste momento, criam essas notícias falsas deveriam ser presas. Quem as espalha, conscientemente, também deveria responder judicialmente. A imensa maioria, no entanto, apenas as recebe e acaba sendo vítima de mentiras ardilosamente arquitetadas.

Cada vez mais, precisamos de veículos de comunicação sérios e comprometidos com a apuração honesta dos fatos. Infelizmente, grande parte da imprensa, por razões várias, tem perdido a sua credibilidade. Apesar disso, registre-se que recente pesquisa  mostra que a população, diante do reinado de Fake News, confia majoritariamente em programas jornalísticos de TV (61%) e nos jornais impressos (56%). Rádio e site de notícias aparecem em seguida, com 50% e 38% de confiança, respectivamente. As redes sociais, WhatsApp e Facebook, estão com baixíssima reputação em meio à crise pandêmica. Apenas 12% das pessoas consultadas confiam nas informações compartilhadas nessas plataformas.

Então, o que devemos fazer diante desse cenário complexo e confuso? Resta-nos assumir uma postura verdadeiramente crítica, pesquisar a fundo, checar as informações em fontes confiáveis, ouvir os especialistas (há boas referências até mesmo nas redes), além de nos atentar aos comunicados da OMS e do Ministério da Saúde. Hora ou outra, o comércio abrirá e nossas vidas voltarão à normalidade. Precisamos, no entanto, continuar vigilantes, evitar contatos físicos até que essa pandemia seja debelada e reforçar, definitivamente, os nossos hábitos de higienização.

No mais, é preciso manter a calma (preservando a nossa saúde mental), agir com absoluta cautela, proteger nossas famílias e nossos idosos e confiar que tudo passará. É momento também de pensarmos na vida que temos levado, o que temos feito de nossa existência, como temos nos relacionado com nossa família, amigos e a sociedade, o quanto temos consumido e quais são os valores que norteiam a nossa vida.

Os italianos são, até agora, o povo mais atingido pela pandemia, mas eles não perderam as esperanças e se mantêm resilientes. Que o lema que mais se vê na península itálica, “Andrà Tutto Bene!” (vai ficar tudo bem), seja capaz de nos tranquilizar a alma e esperançar nossos corações.

Sim, tudo vai ficar bem!

* Alisson Diego Batista Moraes, advogado, MBA em Gestão Empresarial e Bacharel em Filosofia pela UFMG. Foi prefeito de Itaguara entre 2009 e 2016.

** Artigo publicado pelo Jornal Minas, Itaguara, março/abril de 2020.