Artigo escrito para a Revista Viva Grande BH - edição janeiro de 2015.
Poesia e Política: meu quebra-cabeça surrealista *
O político |
Há quem diga que sempre fui político - no bom sentido da política, compreendida como instrumento de transformação social e meio de melhorar a vida da pólis. Meus colegas me lembraram que na pré-escola eu questionava a diferença dos calçados dos alunos e queria entender o porquê inclusive que alguns iam descalços. Nunca bastava para mim a explicação usual: "a família dele é pobre e não tem condições". Ainda me martelavam os porquês.
Ate hoje, em muitos momentos, nunca me achei político, apenas me reconheci desde menino um questionador inquieto e ansioso por ver uma comunidade com melhorias. A partir da juventude, os porquês se transformaram em desejos imensuráveis de ser útil, uma vontade quase obrigacional de poder servir ao meu povo e quem sabe até mudar o mundo - naquele momento quis fazer de minha vida um existir verdadeiramente proficiente para a comunidade - justificar a minha existência deixando algum legado para a minha aldeia.
Os anos se passaram e muitas coisas aconteceram de lá para cá. Acho que, de certa forma, pude contribuir para melhorar a vida de minha comunidade, mesmo não tendo conseguido "mudar o mundo". Mais consciente após três mandatos eletivos e à beira dos 30, hoje vejo que não possuo os requisitos básicos para o exercício da política tal qual ela tem sido praticada em nossos dias. Não sei tergiversar; não consigo abrir mão de alguns princípios; é para mim muito difícil ter de omitir opiniões e pensamentos para não ferir apoiadores ou um grupo social; jamais aceitei negociar cargos ou ter de fazer acordos em nome da governabilidade. Outro ponto é que jamais acreditei no maniqueísmo político - nunca enxerguei adversários como rivais a serem combatidos dia-a-dia e sob qualquer pretexto. Para mim, o combate sempre foi pelo bem comum e no plano das ideias.
Mesmo numa cidade pequena, manter-se alheio a essas práticas usuais da política hodierna costuma ser letal para a manutenção do cargo político. Mantive-me alheio até agora, pago algum preço, mas durmo sob o meu travesseiro leve, que me conduz a sonos tranquilos e calmos.
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O poeta |
Neste sentido, me reafirmo a cada dia mais poeta. Não o poeta dos escritos geniais, mas o versejador simples do cotidiano; que contempla e repara a vida e a interpreta em versos, quando a inspiração me é favorável.
Jamais quererei ser o imortal poeta da estrelada Academia Literária, nem o poeta dos salões pomposos e das recepções glamorosas. Mas sim o poeta que lança seus livros como quem liberta um pássaro da gaiola. Quem o faz, não espera que o pássaro volte e lhe dedique seus chilreares para o seu bel prazer. O libertador de pássaros se felicita tão somente com a liberdade do bichinho.
Poesia e política para muitos é algo perfeitamente conciliável. Para Neruda, o grande poeta das Américas, amor, arte, política, engajamento e versos eram harmoniosamente complementares. Para mim, já não sei. Após 10 anos de vida pública e três mandatos consecutivos, ainda estou aprendendo a juntar essas peças todas e formar esse quebra-cabeça bastante surrealista.
* Alisson Diego Batista Moraes