quarta-feira, 17 de maio de 2023

Itabira: um olhar estrutural sobre a gestão (Parte 1)

“tudo se apresentou nesse relancee me chamou para seu reino augusto,afinal submetido à vista humana.” (Carlos Drummond de Andrade - A Máquina do Mundo)


Foto com a estátua de Drummond na Fundação Cultural
Carlos Drummond de Andrade (FCCDA),
na região central de Itabira. Outubro de 2022.

É impossível resumir em poucas páginas uma vivência tão rica e impactante de pouco mais de um ano em uma cidade, vivendo o dia a dia da gestão municipal, atuando no planejamento de um novo governo com altas expectativas e avaliando, política e administrativamente, as idiossincrasias dessa sociedade. Imerso numa comunidade com características muito específicas e detentora de uma história e uma cultura tão vastas como é o caso de Itabira, a tarefa se torna ainda mais árdua.

Por isso, é imperioso fazer um recorte temático e delimitar muito bem o escopo deste texto, sob pena de, ao se tentar falar de tudo, não se conseguir falar de nada especificamente. Abordarei, em dois textos distintos, mas complementares, dois aspectos da minha experiência em 15 meses na gestão itabirana: um olhar sobre a gestão de um lado e um olhar sobre a política de outro. Em alguns momentos, esses dois conceitos se entrelaçam, mas precisam ser vistos como eixos distintos.

Neste primeiro texto, abordarei  especificamente os aspectos administrativos gerais (um olhar voltado à gestão), ou seja, os números, a estrutura administrativa, a cultura e as tradições da prefeitura, as rotinas de gestão e os instrumentos de planejamento público existentes.

Cheguei em Itabira em dois de março de 2021, exatamente no dia do meu aniversário de 36 anos. Sem festejos natalícios, iniciei os trabalhos de leitura organizacional naquela manhã, avaliando os instrumentos de planejamento existentes, pesquisando o plano de governo vencedor das eleições, ouvindo os principais atores políticos e administrativos e estudando, lato sensu, a cidade.

O diálogo foi amplo e muito intenso para forjar um diagnóstico situacional verossímil – sem essa etapa, seria impossível dar o passo seguinte: reunir a equipe estratégica em alguns seminários para elaborar o Plano de Investimentos propriamente dito (que o prefeito nomeou, em inspirado ímpeto juscelinista, de “Plano de Metas”).

Nesse período, pude fazer algumas constatações iniciais: me chamou a atenção a equipe formada pelo prefeito Marco Antônio Lage. Um time diverso, majoritariamente técnico, mas com algumas figuras políticas importantes e todos imbuídos de um propósito: transformar Itabira, melhorar a qualidade de vida da população, dar um verdadeiro salto histórico.

Vale um adendo: não acredito em vida sem propósito, imagine então uma gestão sem propósito! É inadmissível, mas é o que mais noto por aí – prefeitos eleitos sem projetos, com boa vontade, mas destituídos de um propósito claro sobre “o que e por que fazer”. E por propósito me refiro mais do que à mera intenção; é a finalidade, o télos como diziam os gregos. O ambiente itabirano podia ser definido em uma palavra e esta era: motivação.

Sobre os aspectos administrativos mais amplos, três pontos se destacaram em meu olhar, dois positivos e um negativo: as finanças públicas saudáveis, a cultura de planejamento público são os pontos positivos e a enorme dependência da Vale, o negativo. Abordo os três a seguir.

A Prefeitura de Itabira havia passado por apuros financeiros e orçamentários há menos de uma década, devido à crise das commodities e a diminuição drástica da atividade mineradora. A queda recorde de arrecadação (CFEM despencou, ICMS e ISS também decaíram fortemente), aliada a uma gestão despreparada, causou grande impopularidade ao prefeito da época, que teve a sua carreira política enterrada com uma votação inexpressiva – o roteiro parece ter deixado um legado de aprendizagens e a cidade, a partir daí, passou a ter maior austeridade financeira para não contar integralmente com um mercado que, por mais previsível que pareça, traz em si a volatilidade.

O segundo enfoque diz respeito à uma cultura de planejamento público, iniciada há quase duas décadas com a implantação da Secretaria de Planejamento no município. As melhores práticas administrativas mostram os benefícios de haver, nas estruturas das gestões municipais, uma secretaria destinada a coordenar o planejamento, monitorar e avaliar as políticas públicas, gerir as políticas orçamentárias e articular instrumentos de modernização da gestão – o que garante maior profissionalização, além de eficiência na execução dos programas, projetos e ações governamentais.

Fiz uma breve análise entre algumas das maiores cidades mineiras e Itabira é uma das mais organizadas do ponto de vista do planejamento orçamentário. Ressalto: isso faz toda a diferença para o município e não é comum em cidades em Minas Gerais e no Brasil haver uma secretaria destinada unicamente ao planejamento. Muitas secretarias de planejamento Brasil afora não são exclusivas e, por ignorância ou economicidade excessiva, as gestões unificam-nas com outros serrotes como administração, finanças e até políticas urbanas, fazendo com que o foco seja dividido e o planejamento seja deixado de lado.

Por fim, a dependência da Vale segue preocupante. Essa é uma dependência sistêmica: orçamentária, financeira e econômica. A mineradora global, que nasceu em Itabira na década de 1940, é responsável pela maior parte da arrecadação do município, direta e indiretamente, também impacta a geração de emprego e renda e influencia em toda a organização sócio-econômica itabirana. Até o momento, as estratégias de diversificação econômica não se mostraram efetivas.

Desde o mandato do prefeito Olímpio Pires Guerra (1997 a 2000), Itabira tem buscado louváveis alternativas e elaborado planos de diversificação econômica, mas a dependência da Vale não tem reduzido. Isso se dá por uma simples razão: não basta o município, sozinho, tecer uma estratégia de diversificação. É preciso ação efetiva do estado brasileiro e do governo de Minas Gerais. A prefeitura é o polo hipossuficiente nesta relação federativa e não prescinde da atuação estatal para dinamizar sua economia. Garantir uma vida de qualidade para a população itabirana será um desafio constante diante da exaustão mineral que se avizinha.

Como se pode depreender, as abordagens aqui foram mais amplas, estruturais e evidenciadas no aspecto da gestão municipal. Se contam favoravelmente as finanças públicas saudáveis (responsavelmente mantidas pelo prefeito Marco Antônio) e a cultura institucionalizada do planejamento público,   a dependência da Vale continua a ser um desafio que se aproxima de uma “aporia”, o que na filosofia significa um dilema aparentemente sem saída. Saída, na verdade há, desde que o estado brasileiro pague sua dívida com Itabira.

A cidade, terra do Poeta Maior e berço do minério de ferro brasileiro, pela inestimável importância que tem, não pode ficar à mercê da vampirização provocada pela monocultura minerária. O estado apadrinhou a Vale em 1942 e precisa apadrinhar Itabira e sua população agora. Afinal, como dizemos aqui em Minas: “quem tem padrinho, não morre pagão”.

Este texto continua na próxima coluna. Na segunda parte, apresentarei um olhar voltado para a ambiência política.

domingo, 14 de maio de 2023

Nova Lima: O Dilema da Cidade Rica

* Artigo escrito em coatoria com o prefeito de Nova Lima-MG, João Marcelo Dieguez (2021-2024), para a Revista Viva Grande BH, edição 268 - Maio de 2023.


Foto panorâmica da região central de Nova Lima-MG
Créditos: Semco - Prefeitura de Nova Lima.


O noticiário de economia da imprensa em geral, com alguma frequência, destaca Nova Lima como “a cidade mais rica do Brasil”. Isso, de alguma forma, pode até lisonjear alguns dos nossos concidadãos, mas é preciso esclarecer essa temática e colocar foco em algumas questões, além de valer-nos de alguns exemplos bastante elucidativos. Quando se analisa, por exemplo, o orçamento público de Nova Lima, ele pode ser considerado acima da média, mas não se trata de algo espetacular, pois sequer estamos entre os 5 maiores orçamentos públicos de Minas Gerais. 

Nossa arrecadação passa de R$ 1,1 bilhão (2021/2022), mas em municípios como Niterói (RJ), por exemplo, ela chega a R$ 4,3 bilhões. São 523,6 mil habitantes na cidade fluminense e 117,8 mil em nossa cidade. A arrecadação per capita entre as cidades fica assim: R$ 9,7 mil, em Nova Lima, contra R$ 8,2 mil, em Niterói. 

Se tomarmos como exemplo a cidade mineira de Conceição do Mato Dentro, que possui pouco mais de 23 mil habitantes, a arrecadação per capita chega a nada menos do que R$ 30,5 mil, a mais elevada num ranking de 15 cidades brasileiras. Mas de onde vem, então, a qualificação de “cidade mais rica” do país?

Esclarecemos a seguir. 

Para nós, analisar a renda per capita é pouco efetivo para abranger a realidade social de um município, uma vez que se baseia unicamente na média das declarações de Imposto de Renda e dados populacionais. Ademais, não se consegue, apenas sob esta ótica, avaliar os imensos desafios e as históricas carências com as quais a gestão pública municipal precisa lidar. 

Em Nova Lima, podemos citar três desafios que consideramos gigantescos. O primeiro desafio é hercúleo: precisamos tornar realidade um projeto amplo de desenvolvimento sustentável que contemple 100% do saneamento básico de Nova Lima no curto prazo. 

No Brasil, de acordo com a Lei nº 11.445 (e consequentes alterações trazidas pela Lei 14.026/2020), é dever do governo buscar formas de proporcionar a universalização dos serviços de esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, coleta de lixo e destinação adequada para esses resíduos e rejeitos, além de drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, sendo que o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) definiu o ano de 2033 como meta para que isso seja implementado.

Nova Lima possui apenas 20% de seus efluentes tratados – fato insustentável para uma “cidade rica”, porque saneamento básico significa investimento em saúde, em meio ambiente, em qualidade de vida. Além dos desafios financeiros e orçamentários, há ainda questões geográficas, políticas e administrativas (tendo em vista a concessão do serviço para a Copasa). Mas esta é a necessidade das necessidades do nosso município. 

O segundo desafio, talvez o mais emblemático, é o da desigualdade social. Sim, a “cidade rica” possui uma fatia significativa de sua população ainda na linha da pobreza. Este problema tem sido atacado por várias frentes e um projeto para a criação do Programa Nova Renda, de transferência de renda, acaba de ser enviado para a Câmara dos Vereadores. O número de famílias que atendem ao critério de renda per capita para o novo programa, conforme estudos realizados em janeiro de 2023, é estimado em 5.889 – 15.587 pessoas no total. Nosso objetivo é zerar o número de pessoas em situação de pobreza extrema no município. 

Outro imenso desafio do município é a necessidade de diversificação econômica e redução gradual da dependência da mineração e da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem). Para tanto, o trabalho da Prefeitura tem sido no sentido de atrair empresas de qualidade com empregos também de qualidade. 

Neste aspecto, a Prefeitura foca esforços tanto na prospecção de empreendedores, como também na qualificação da mão de obra local, com parcerias com o Senai e o Sebrae, para oferta de cursos técnicos gratuitos, além de especial atenção na economia criativa e no turismo. 

Os resultados dos esforços da gestão municipal já podem ser sentidos e se revelam pelo crescimento dos percentuais da cota parte do ICMS (25,40%) e do ISSQN (20,28%) na arrecadação de 2022. A Cfem, que já chegou a liderar a participação na arrecadação local, ficou, por sua vez, na terceira colocação no ranking das receitas, sendo responsável por 12,05% da arrecadação municipal. 

Essa é a prova de que políticas públicas e o correto planejamento governamental geram resultados. Um exemplo: o orçamento da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Renda (Semde) subiu de R$ 4,2 milhões, em 2021, primeiro ano da atual gestão, para R$ 26 milhões, em 2023. 

Aqui temos em mente que uma cidade verdadeiramente rica é uma cidade de oportunidades para todos e sem pobreza. E é neste sentido que esta gestão caminha.

quarta-feira, 10 de maio de 2023

O hodômetro não para, mas é preciso olhar para a estrada


Um amigo de longuíssima data que sempre acompanhou a minha trajetória profissional me enviou uma mensagem logo que assumi o cargo de secretário de Fazenda de Nova Lima: “Parabéns, meu caro! Você merece e Nova Lima ganha muito com você nesta função estratégica”. Agradeci muito porque, afinal, o reconhecimento de um amigo vale mais que qualquer famigerada honraria. No fim das mensagens trocadas, ele emendou: “Ah, e você agora já está rodado, hein”.

De fato, a gíria utilizada majoritariamente no mundo do futebol – para designar os jogadores que já passaram dos 30 e vestiram algumas camisas e disputaram muitos campeonatos – serviu muito bem à minha situação. Meu hodômetro profissional já registrou muitos quilômetros ao longo desses quase 20 anos de gestão pública. Desde que venci as eleições para vereador em Itaguara, aos 19 anos de idade, vivi e aprendi muita coisa nos caminhos e descaminhos da gestão pública. Foram 4 anos como vereador, 8 anos como prefeito, quase 3 como diretor-geral do SAAE Itaúna e secretário de Planejamento e Governo da mesma cidade, mais um ano e meio em Itabira (como assessor de projetos estratégicos, chefe de gabinete e secretário de planejamento) e, agora, estou completando um ano como secretário de Fazenda em Nova Lima.

Ainda não sou “velho”, apesar de ser “rodado” e sinto isso um privilégio que a existência me proporcionou. O que significa que posso refletir bastante sobre o passado, ao mesmo tempo em que consigo analisar as possibilidades de aplicação na minha área profissional no tempo presente: a gestão pública orientada a resultados e enfocada na melhoria da vida em sua multiplicidade, incluindo a saúde do próprio planeta que nos abriga.

Esses parágrafos não são nenhuma justificação para dizer que estou a escrever minhas memórias, pois ainda não estou. Espero viver uns 90 anos, acumular muito mais experiência para, enfim, fazê-lo. Mas preciso, agora, contextualizar os leitores que, a partir das próximas semanas, publicarei alguns artigos, de tonalidade nitidamente ensaística, com o objetivo de refletir sobre essas minhas “rodagens” na senda pública.

Não utilizarei a cronologia para balizar esses escritos e pretendo abordar todas as cidades por onde passei (Itaguara, Itaúna, Itabira e Nova Lima) e as especificidades de cada uma. Começarei por Itabira, minha penúltima experiência na gestão municipal, pelas razões que explico no próximo parágrafo.

A provocação para escrever essas minhas vivências surgiu do amigo jornalista e consultor de marketing, Márcio Passos, exímio analista pragmático das realidades sociais e políticas do médio Piracicaba. Márcio disse, sem tergiversações, poucas semanas após eu deixar Itabira: “Alisson, posso lhe pedir uma coisa”. Amigos quase nunca dizem não e respondi prontamente: Claro, Márcio, peça. “Você é um escritor, portanto, escreva algo sobre o seu período em Itabira!”. Passos disse, com ênfase, que eu precisava colocar no papel o meu olhar “técnico e político”. Entendi que não era para escrever sobre metodologias de gestão, experiências na elaboração dos instrumentos orçamentários, lições apreendidas etc. Já que não consigo afastar o “técnico do político” (o que faz de mim um misto de gestor, tecnocrata e político, uma vez que não consigo, definitivamente, buscar soluções apenas técnicas sem levar em consideração as nuances políticas), a questão seria expor a minha avaliação e maneira mais holística possível.

Prometi ao Márcio escrever um ensaio e, após algum tempo (quase um ano), já me sinto bem seguro para imprimir os meus testemunhos além de uma abordagem puramente técnica. Publicarei, então, a minha visão itabirana na próxima coluna aqui no SN. Afinal, pedidos sinceros e enfáticos de amigos não são recusáveis. Além do mais, o pedido do Márcio provocou em mim um desafio novo, isso porque eu nunca havia escrito nada sobre minhas vivências nas cidades em que trabalhei, afora Itaguara. E gestores-pensadores inquietos como eu, adoram um desafio.

Admoesto que não sou polemista, mas não tenho vocação para a “passividade do olhar”, caracterizadora de muitos dos analistas políticos contemporâneos.

Prometo, pois, a "sinceridade elegante" em minha análise, amigo Márcio. Espero não decepcioná-lo.


* Artigo originalmente escrito para a Coluna Magma do Portal Sagarana Notícias em 07/05/2023.