domingo, 17 de dezembro de 2023

Entrevista ao Jornal Spasso de Itaúna-MG

Compartilho entrevista concedida ao jornalista Sílvio Bernardes, do Jornal Spasso, de Itaúna-MG, por ocasião do lançamento do livro Neoliberalismo Autoritário: a racionalidade que gerou o bolsonarismo. A entrevista foi pelo jornal publicada em 09 de dezembro de 2023 e também pode ser acessada por meio deste link: https://jornalspasso.com.br/sete-perguntas-para-o-professor-alisson-diego-batista-moraes-ex-diretor-do-saae/ 

Alisson Diego - João V. Moraes - 2023


O professor da USP, Vladimir Safatle, fez a seguinte dedicatória para o professor Álisson Diego Batista Moraes, que está lançando o livro “Neoliberalismo Autoritário: a racionalidade que gerou o bolsonarismo”, fruto de sua dissertação de mestrado, e, para ele, resume bem o que ele é: “Ao Alisson Diego, que tem um pé na teoria, um pé na prática e a cabeça no lugar certo”. Sobre o seu pé acadêmico-teórico: é advogado pela Universidade de Itaúna, gestor público, filósofo, pela UFMG, especialista em Gestão Empresarial, pela Fundação Getúlio Vargas, mestre em Ciências Sociais, pela PUC e, atualmente, faz o doutorado em Ética e Filosofia Política na Universidade Federal de Ouro Preto, UFOP. Além disso, é professor dos cursos de pós-graduação da PUC-Minas – IEC.

Já este é o seu o “pé na prática” como profissional e gestor público: foi vereador em Itaguara aos 19 anos de idade, prefeito eleito e reeleito de Itaguara (entre 2009 e 2016), Diretor da AMM (Associação Mineira de Municípios) e vice-presidente da Granbel (Associação dos Municípios da Grande BH), Diretor do SAAE e secretário de Planejamento e Governo de Itaúna entre 2017 e 2019; Diretor da Assemae (Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento) de 2017 a 2019. Secretário de Planejamento, Assessor de Projetos Estratégicos e Chefe de Gabinete da Prefeitura de Itabira entre 2021 e 2022. Atualmente, é secretário de Fazenda de Nova Lima, desde julho de 2022. Também teve um escritório de advocacia, mas atividades foram suspensas em virtude do impedimento pelo cargo que ocupa.


Neoliberalismo Autoritário. Editora Dialética (2023)

Em razão do lançamento do seu livro “Neoliberalismo Autoritário: a racionalidade que gerou o bolsonarismo”, o professor Álisson Diego é o convidado do Jornal S’PASSO para responder as Sete Perguntas dessa edição.

1. Qual é sua ligação com Itaúna, para além de ter sido membro do governo do prefeito Neider e de ter estudado na Universidade de Itaúna?

Tenho ligações muito fortes e históricas com Itaúna, muitos amigos construídos ao longo de anos, além de vigorosos vínculos familiares. Para se ter uma ideia, a Dona Dorica, que foi esposa do Coronel Arthur Contagem Vilaça, admirada em Itaúna e em Itaguara como benfeitora de nossa região, era irmã de meu tetravô, o Antônio Luiz, portanto era minha “tia-tetravó”. O Célio Soares Nogueira e o Milton Penido, que foram prefeitos da cidade, eram também parentes meus. Carlindo e Elói, irmãos de meu trisavô, moraram e constituíram as suas famílias em Itaúna. Ah, havia também a Dona Artumira, mãe da Dona Ivete, casada com o Dr. Guaracy, que possuía parentesco comigo. Há centenas de descendentes desses meus familiares em Itaúna. Todos parentes meus. Há diversos outros familiares, mas se eu disser aqui a lista fica muito extensa. Essas raízes histórico-familiares são muito significativas para mim. Dizem respeito à minha ancestralidade. Eu adorava conversar com o Doutor Guaracy sobre essas raízes. Ele tinha belíssimas histórias. Uma pena que não anotei todas e muitas se perderam.

Mas como ressaltado na sua própria pergunta, academicamente foi na Universidade de Itaúna onde cursei Direito e comecei a minha trajetória intelectual. Profissionalmente, a passagem pela prefeitura itaunense entre 2017 e 2019 também foi muito importante para a minha formação e para as reflexões que faço até hoje sobre a política, a sociedade brasileira e a gestão pública.

Então, posso dizer, com absoluta segurança, que Itaúna possui uma importância muito grande e está presente em vários momentos e perspectivas de minha vida.

2. O SAAE, autarquia que você dirigiu, é hoje uma das instituições mais importantes da cidade e uma das mais questionadas por causa da política de saneamento, do marco regulatório que preconiza 100% de atendimento à população e das cobranças por um serviço mais próximo da população. Conhecendo bem o SAAE Itaúna, esta autarquia está realmente na vanguarda do serviço público? O que lhe falta para que ela cumpra efetivamente com o seu papel?

O SAAE é um grande patrimônio do povo itaunense. Itaúna é privilegiada por ter o SAAE com a estrutura e a grandeza que possui. É uma autarquia que conta com um corpo técnico qualificado, com estruturas muito acima da média e com uma capacidade respeitável de investimentos. Quando assumimos o SAAE em 2017, a autarquia passava por um momento complicado de desestruturação e desvio de sua função mais importante: cuidar efetivamente do saneamento em seus pilares definidos pela legislação, sobretudo água, esgoto e resíduos (pode-se acrescentar a drenagem como quarto pilar, mas muitas autarquias não prestam este serviço, embora esteja definido em lei). O SAAE é para isso e ponto final. Não é para fazer praça, ajudar a prefeitura a fazer asfaltamentos etc. Isso é o básico de se entender. Quando deixamos a gestão do SAAE, a autarquia passou a ser superavitária e a cumprir com o seu propósito, a sua missão: fazer saneamento de qualidade. Samuel, que me sucedeu, foi também muito importante para essa estruturação realizada; e depois o Arley que também seguiu o caminho e realizou um grande trabalho.

Tenho muito orgulho do que fizemos no SAAE de Itaúna. Ainda há muito a fazer, mas o SAAE possui um histórico estimável e Itaúna está sim na vanguarda em matéria de saneamento. O SAAE não é apenas orgulho para os itaunenses, mas para o Brasil. Mas, claro, que pode e deve melhorar. Como gestor, jamais abro mão do conceito de “melhoria contínua”. Uma sugestão para aperfeiçoar a gestão da autarquia hoje? Investir pesadamente na eficientização dos processos internos, na governança estratégica e no compliance da autarquia – isso dará ainda mais protagonismo ao SAAE e garantirá sustentabilidade financeira e organizacional para o futuro, resultando em maior reconhecimento por parte da população.

3. Falando de sua dissertação de mestrado e da publicação do seu livro, lançado essa semana em Belo Horizonte, conte um pouco sobre sua abordagem e quando foi que ela se tornou objeto de estudo acadêmico.

Há alguns anos tenho observado e estudado a ascensão da extrema-direita no Brasil. Desde quando era prefeito, em 2013, com a irrupção das manifestações que tomaram conta da nação em junho daquele ano, comecei a ficar muito instigado a refletir sobre o que estávamos vivendo. Não era algo que se poderia considerar “normal”. Anos depois, decidi estudar ainda mais profundamente o papel da cultura política na formatação da sociedade e do estado brasileiros. A ideia inicial era tecer uma discussão da obra “As ideias fora do lugar” do sociólogo Roberto Schwarz e explorar a tradição iliberal do Brasil. Mas com o tempo, fui percebendo que a cultura política por si mesma não seria capaz de explicar a ascensão da extrema-direita nem no Brasil, nem no mundo. Ou seja, não era apenas porque o Brasil havia sido colonizado por Portugal e forjado por uma estrutura hierárquica rígida que persistia na atualidade um autoritarismo arraigado no tecido social e nas estruturas de poder. Havia outros fatores a serem considerados nesta quadra da história, neste primeiro quarto do século XXI. Dentre esses fatores, o principal deles, a meu ver, trata-se do neoliberalismo, que é mais que um sistema econômico, mas também possui uma dimensão política, social, cultural e até metafísica. Fui à fundo nessas temáticas e teci a correlação entre a tríade amalgâmica que sustenta a obra: neoliberalismo, autoritarismo e bolsonarismo.

4. As raízes do neoliberalismo no Brasil, tratadas em sua obra, estão num mesmo emaranhado do autoritarismo brasileiro? As mesmas fontes que alimentam um, dessedenta a outra?

O autoritarismo brasileiro é anterior ao neoliberalismo autoritário. Isso precisa ficar claro. A nossa estrutura social é marcadamente autoritária e violenta desde a sua gênese. O ponto central do livro é este: não se pode tratar da temática autoritária, hoje, sem mencionarmos as estruturas neoliberais. Ou seja, não dá para voltar ao século XVIII para explicar a totalidade da dimensão autoritária em nossos dias. Eu não ignoro o aspecto histórico, mas não é possível dizer que a cultura política e a intrincada herança colonial-escravagista são as únicas razões para a persistência autoritária na sociedade brasileira. Há, notadamente, uma estrutura histórica tanto da sociedade quanto do Estado brasileiro que impede o avanço das demandas sociais por maior participação política, por acesso a bens materiais, por equidade, por democratização, mas há um componente atual fundamental a ser considerado: a ambiência neoliberal.

O bolsonarismo, por exemplo, é um fenômeno que se relaciona muito mais com o neoliberalismo do que com a tradição autoritária brasileira. Posso dizer, de todo modo, que o neoliberalismo autoritário (que para mim é até uma expressão pleonástica porque o neoliberalismo é essencialmente antidemocrático) encontrou um terreno muito fértil em uma sociedade estruturalmente autoritária e violenta como a brasileira. Isso está na esteira do que defendem a Marilena Chaui, o Jessé Sousa, o Adam Przeworski, a Verónica Gago, dentre outros pensadores contemporâneos. Mas, claro, há uma imbricação entre o autoritarismo histórico e o autoritarismo neoliberal. A separação na obra é conceitual. O ponto é o que disse acima: não há neoliberalismo sem autoritarismo. Sua essência é antidemocrática. O pleonasmo no título é intencional justamente para reforçar o conceito. Neoliberalismo e autoritarismo são duas faces de uma mesma moeda: o capitalismo predatório contemporâneo.

5. E a extrema direita, também trada no livro, podemos dizer que no Brasil ela é sinônimo do bolsonarismo?

Sem dúvida alguma. A caricatura da extrema-direita no Brasil é o bolsonarismo. Havia muita discussão se seria possível considerar o bolsonarismo como um movimento sociopolítico, assim como o getulismo no Brasil dos anos 40, o chavismo na Venezuela, o trumpismo nos EUA, o peronismo na Argentina, o correísmo no Equador, dentre outros movimentos sociopolíticos personalistas reconhecidos. Eu defendo que sim, pois trata-se de um movimento com características muito próprias e há uma seção no livro especificamente dedicada a essa temática. O bolsonarismo, neste sentido, é um movimento de extrema-direita, em total alinhamento com uma configuração mundial.

Dentre essas características, podemos elencar algumas práticas de extremismo político: a retórica do ódio, a propagação do medo sob a esperança, as questões morais trazidas em forma de pânico, a preponderância do ressentimento acima de qualquer dimensão de solidariedade, a racionalidade mercadológica, a crença de que o estado é um mal (mas deve ser utilizado para financiar uns poucos), o ataque às instituições democráticas, a demonização dos adversários políticos e de qualquer voz que venha da oposição, além de uma completa abdicação da luta por justiça – esses são alguns dos fatores que me lembro aqui de cabeça, mas poderia elencar vários outros. É neste contexto que a agenda política se transforma apenas numa narrativa e não em um projeto de país. Essas são algumas das razões pelas quais o bolsonarismo representa uma tragédia incomparavelmente pior (neste quesito de projeto de nação) à ditadura 1964-1985.

6. Na sua opinião, para onde caminham o bolsonarismo e a própria extrema direita? As políticas sociais do governo federal e o fortalecimento de um projeto político democrático nos estados e no Congresso Nacional poderão frear a extrema direita no Brasil?

Essa é a grande questão. Não acredito que cientistas sociais, filósofos políticos, antropólogos, dentre outros devamos nos comprometer em traçar prognósticos. Ao contrário da medicina e áreas afins, o pensamento reflexivo não produz bons prognósticos, apesar de edificar belos diagnósticos. Isso me lembra, inclusive, uma clássica frase de Hegel: “A coruja de Minerva levanta voo ao cair do crepúsculo”, ou seja, o pensamento reflexivo parte de uma realidade dada, algo cingido no tempo.

Mas vou ousar aqui uma análise, depois da premissa acima. Penso, particularmente, que a extrema-direita veio para ficar. Sempre houve uma parcela da população com esses valores e que se escamoteava de alguma maneira. Bolsonaro surgiu e conseguiu capitanear este sentimento há tempos presente, mas escamoteado por uma parcela significativa da sociedade. O bolsonarismo não veio de Marte e somente teve êxitos eleitorais porque encontrou eco na sociedade brasileira.

Não acredito que o bolsonarismo arrefeça com o sucesso das políticas sociais do governo ou com a construção de uma grande concertação democrática ou uma Frente Ampla. O buraco é mais embaixo, como diz o ditado popular. Há um livro recentemente lançado pelo Felipe Nunes e o Thomas Traumann que mostram bem isso (o livro se chama: Biografia do Abismo, como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil). O bolsonarismo, inclusive, tem tempo e potencial de se reinventar com alguém menos polêmico e mais envernizado, o que pode ser ainda mais perigoso para a ordem democrática. Mas o fato de termos um tecido social traumatizado e uma extrema-direita viva, não quer dizer que tenhamos de ficar com os braços cruzados. Ao contrário, é dever de todo democrata fazer alertas, advertir as pessoas e esclarecer os riscos que a sociedade brasileira corre.

7. Em Itaúna, como você sabe, há uma tendência considerável de alcance de poder pela direita, alimentada por um bolsonarismo formado por “cristãos conservadores” e jovens que “odeiam política”. As demais forças políticas terão espaço nessa nova onda? De que forma isso será possível?

Uma coisa que quero deixar claro: extrema-direita não é direita. A direita clássica, o liberalismo, nada tem que ver com o bolsonarismo. O liberalismo, por exemplo, é totalmente favorável às liberdades individuais e o moralismo bolsonarista é uma afronta a qualquer liberal. Do mesmo modo, o conservadorismo, que é uma corrente política totalmente alinhada com a defesa das instituições, não tem nada que ver com o bolsonarismo que, por sua vez, implode toda a institucionalidade.

O bolsonarismo, por tudo isso, faz uma espécie de apologia à ignorância, dinamita os conceitos, os princípios e se vale apenas de uma narrativa muito superficial, mas que atinge eficientemente a muitas pessoas por uma série de razões, algumas das quais exponho no livro.

A extrema-direita somente será vencida se a sociedade brasileira tiver capacidade de olhar para si mesma, refletir, fugir do discurso fácil do ódio à política. Esse discurso mesmo é de uma irracionalidade completa. Como pode alguém como Jair Bolsonaro, um deputado por décadas e acostumado a todas as velhas práticas políticas, cuja família inteira se serve das benesses do poder, se colocar como alguém antissistema? É a narrativa acima de qualquer racionalidade. Por isso digo que a razão quando vem à tona vence o bolsonarismo facilmente.

Dito isso, é importante que as forças políticas brasileiras apresentem soluções e demonstrem que nem todos que são contrários ao bolsonarismo são petistas ou lulistas. Isso é falacioso e apenas alimenta o discurso polarizador. É muito importante também que as pessoas saibam que entre o neoliberalismo autoritário (representado no Brasil pelo bolsonarismo) e o socialismo revolucionário, há várias outras possibilidades. Há a social-democracia, por exemplo, o trabalhismo, o nacional-desenvolvimentismo, o liberalismo social, o socialismo democrático, o comunitarismo, dentre outros. É falacioso dizer que apenas Bolsonaro e seus asseclas são capazes de vocalizar, por exemplo, as questões relacionadas ao conservadorismo no Brasil. Pelo contrário, como disse anteriormente, o bolsonarismo não é conservador na essência e tampouco liberal. O bolsonarismo é, em seu cerne, um movimento protofascista e autoritário.

Portanto, é possível e desejável que as parcelas da população de Itaúna e de outras cidades Brasil afora que se identificam com o bolsonarismo hoje, encontrem outros matizes políticos para se identificar. Isso, no entanto, não vai acontecer automaticamente. É fundamental que a direita democrática brasileira também se reorganize e tenha a capacidade de dialogar com amplos setores da sociedade que encontram no bolsonarismo a salvaguarda para os seus valores, como os evangélicos por exemplo.

De todo modo, sempre haverá um percentual considerável que se identificará com a extrema direita. Isso se dará no Brasil e em outros países do mundo, a própria Itália, a Hungria e a Polônia possuem uma extrema-direita muito capilarizada hoje.

A longo prazo, há apenas uma solução: uma educação libertadora e emancipadora de consciências. Num curto prazo, é importante que a institucionalidade funcione, que o Ministério Pública e o Judiciário coíbam os abusos e as práticas autoritárias e que os partidos políticos consigam dialogar com a sociedade, oferecendo soluções e defendendo a ordem democrática. O caminho não é fácil. Como pesquisador e intelectual, não prevejo que os anos vindouros sejam tranquilos. Por outro lado, como gestor e militante, sinto-me desafiado a fazer a minha parte e a trabalhar pela racionalidade e pela consciência das pessoas. É o que devemos fazer todos os democratas deste país.

Eu sei que a resposta está grande, mas preciso acrescentar mais uma coisa aqui: as cidades não podem cair na armadilha dessa polarização nacional. Por uma razão muito simples: a pauta de costumes, a questão econômica e outras temáticas que podem polarizar lá em cima não têm nada a ver com a realidade aqui em baixo, nos municípios. Para que existem vereadores, prefeito e vice? Para cuidarem da realidade local, investirem em escolas de qualidade, saúde básica e secundária eficientes, infraestrutura urbana e rural adequadas, zeladoria bem feita etc. Esse discurso nacionalizado é uma armadilha nas eleições de 2024. Espero que Itaúna e outras cidades não caiam nisso e saibam escolher bons gestores e não políticos retóricos. Se alguém quiser discutir pauta nacional nas eleições de 2024, que se candidate a deputado federal, senador ou presidente da República.

Muito obrigado ao Jornal S’PASSO pelo espaço. Um abraço a todas e todos os itaunenses. Tenho uma relação muito forte e de admiração para com a cidade.

PS: Para quem quiser adquirir o livro “Neoliberalismo Autoritário: a racionalidade que gerou o bolsonarismo”, basta procurar no Google e escolher a melhor oferta. Está à venda nos principais marketplaces e livrarias do país.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Lançamento de Neoliberalismo Autoritário repercute na imprensa mineira

 O novo livro ainda não foi lançado oficialmente, mas a repercussão já está acontecendo em destacados vários veículos de comunicação em Minas Gerais. Dentre os veículos de comunicação a repercutir o lançamento estão o Portal Minas 1, o Blog do PCO (Paulo César Oliveira), o Blog do Lindenberg, o Jornal Spasso e o Portal Sagarana.


Neoliberalismo Autoritário, novo livro de Alisson Diego.
Foto: Divulgação

"Neoliberalismo Autoritário: a racionalidade que gerou o bolsonarismo" será lançado na próxima sexta-feira (08/12) às 17h00 no Café com Letras, na Savassi em BH. A obra lança luzes sobre a racionalidade sociopolítica que contribuiu para o surgimento da extrema direita no país e trata o neoliberalismo não apenas em sua faceta econômica como também social, cultural e política. O autor explora a conexão entre o autoritarismo e o neoliberalismo, desafiando conceitos e desmistificando a tradição cultural e política como as únicas causas do "autoritarismo brasileiro" e busca compreender não apenas a racionalidade neoliberal, mas também a sua relação intrínseca com a essência do bolsonarismo. "Não ignoro a importância do culturalismo em nossa formação política; isso precisa ficar claro, mas não penso ser adequado tratar a hierarquização da sociedade, o imobilismo social e as tendências autoritárias como sendo apenas heranças históricas; há um componente fundamental na atualidade: a ambiência neoliberal", explica Alisson Diego.


A seguir alguns links sobre o lançamento do livro:

- https://minas1.com.br/posts/politica/ex-prefeito-alisson-diego-lanca-novo-livro-nesta-semana-em-bh

- https://blogdolindenberg.com.br/livro-explora-as-raizes-do-bolsonarismo-e-sua-correlacao-com-o-sistema-neoliberal-neoliberalismo-autoritario-a-racionalidade-que-gerou-o-bolsonarismo/

- https://blogdopco.com.br/fique-por-dentro/alisson-diego-lanca-o-livro-neoliberalismo-autoritario/

- https://www.sagarananoticias.com.br/post/ex-prefeito-alisson-diego-lan%C3%A7a-novo-livro-na-pr%C3%B3xima-semana-em-bh

- https://jornalspasso.com.br/alisson-diego-lanca-livro-em-belo-horizonte/






domingo, 24 de setembro de 2023

Entrevista ao Estadão

 Uma série de reportagens está sendo produzida por um dos maiores jornais do Brasil, o Estadão, abordando a situação do país e os desafios enfrentados pelo Brasil. Na matéria deste domingo, a segunda da referida série, o enfoque se dá nos municípios. 


Fui entrevistado pelo jornalista Daniel Weterman e mencionei a falta de planejamento público como um dos problemas estruturais das prefeituras brasileiras. 


A seguir o print com um trecho de minha entrevista e, abaixo, o link da matéria.

Segue link da matéria completa: Estadão


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Matéria é destaque na capa do website do Estadão em 24 de setembro de 2023:




segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Direito e Políticas Públicas: uma interface necessária *

* Alisson Diego Batista Moraes


** Artigo originalmente publicado no site Consultor Jurídico - Conjur, em 05 de agosto de 2023. Link para acesso ao artigo original: Conjur - Alisson Moraes


Durante os cinco anos de graduação em Direito, não tive a oportunidade de estudar, sequer superficialmente, a temática das políticas públicas e a sua interface com o universo jurídico. Nem ao menos me lembro de a expressão “políticas públicas” ter sido, em algum momento, abordada ao longo dos dez períodos de faculdade. Nesta terceira década do século XXI, muitos discentes já compreenderam que não é possível conceber, adequadamente, a missão do Direito na contemporaneidade sem, necessariamente, incluir as discussões conceituais acerca das políticas públicas e suas correlações seminais com o âmbito jurídico. 

    As faculdades de direito, mais notadamente as cátedras de Direito Administrativo e Direito Constitucional, ao omitirem essa temática, provocam um déficit formacional significativo nos futuros operadores do direito. Este breve artigo almeja instigar esse debate e despertar o interesse dos leitores do Conjur para esta relação, muito mais necessária e essencial do que se pode imaginar. Há cerca de um ano, tenho ministrado aulas na disciplina “Contexto Jurídico-Político e Gestão na Administração Pública Contemporânea” na pós-graduação lato sensu em Direito Administrativo da PUC-Minas. O curso se sustenta em três pilares: 1) a governança e a gestão, compreendidas como sistemas que visam ao alcance de objetivos previamente definidos, com a consequente eficientização da administração pública; 2) perspectivas sociopolíticas acerca dos desafios da democracia no Brasil e no mundo; e 3) o modo pelo qual o ordenamento jurídico brasileiro e, especialmente, o Direito Administrativo se vinculam aos outros dois pilares.


Banco de imagens - Pixbay / 2023.

    O conteúdo programático da disciplina traz uma unidade inteiramente dedicada à interface entre o Direito e as políticas públicas (abrangido no primeiro pilar explicitado no parágrafo anterior), apresentando autores clássicos do campo multidisciplinar das políticas públicas, a evolução dessa conceituação, desde a década de 1950, e algumas das discussões contemporâneas mais candentes sobre a interface entre essas duas áreas do conhecimento. 


    Compreender a temática exige examinar a diferenciação entre as políticas públicas e as políticas governamentais, a definição de problema público, os conceitos sobre as macrodiretrizes estratégicas – e sua subdivisão tática e operacional em programas, projetos e ações - inseridas na esfera do planejamento governamental, além de analisar o papel das legislações orçamentárias na consecução das políticas; bem como investigar, criticamente, a ambiência geratriz delas, na qual os interesses, as preferências e as ideias sobre as políticas públicas se materializam, impactando na condução política da sociedade. 

    Outro aspecto relevante a ser conhecido pelos operadores do direito diz respeito ao processo de elaboração de políticas públicas ou policy making process (também conhecido como Ciclo de Políticas Públicas). Trata-se de um esquema de visualização e interpretação que organiza a vida de uma política pública em fases sequenciais e interdependentes. Seu proponente precursor foi o cientista político estadunidense Harold D Lasswell no livro The Decision Process , posteriormente revisto, criticado e aprimorado por diversos autores até os dias atuais. Uma das formatações mais aceitas no Brasil considera que estas são as etapas do ciclo (SECHI, 2022): 1) Identificação do problema; 2) Formação da agenda; 3) Formulação de alternativas; 4) Tomada de decisão; 5) Implementação; 6) Avaliação; e 7) Extinção.

    Nota-se, desde a primeira etapa do ciclo de políticas públicas até a última, a indispensabilidade da atuação do operador do direito. Não apenas para forjar uma linguagem jurídica aos atos emanados pela Administração Pública (revestindo-os de legalidade) como também para a observância legal e constitucional do mérito das políticas públicas – a partir a identificação do problema público e o método desta identificação, até a extinção da política pública. A interface entre o Direito e as Políticas Públicas, portanto, precisa ser vista, holisticamente, tendo como fundamento o próprio cumprimento dos desígnios constitucionais: 


Ao constitucionalizar fins, objetos e projetos para a sociedade por intermédio das políticas públicas, optou-se por um Estado não apenas regulador e garantidor da coesão social, mas também protetor. Essa percepção condiciona certos posicionamentos no âmbito das políticas públicas, determinando quais programas de ação governamental poderão ser iniciados, interrompidos, alterados ou prosseguidos. (Valle, 2009, apud Ximenes, Julia Maurmann, 2021). 


    Como um campo relativamente novo, as relações entre o direito e as políticas públicas no Brasil foram exploradas, visionariamente, na década de 1990, por Maria Paula Dallari Bucci ; ainda que o foco da professora tenha sido majoritariamente o direito administrativo e não amplamente o direito concebido holisticamente. Desde então, o número de publicações sobre a temática correlacionada tem expandido significativamente; reunindo, atualmente, livros, teses de doutorado, dissertações de mestrado, além de dezenas de artigos científicos.

    Há de se ressaltar, contemporaneamente, o protagonismo do Grupo Direito e Políticas Públicas (GDPP) da USP, responsável por promover um debate acadêmico fundamental sobre o papel do direito na implementação das políticas públicas, objetivando examiná-las sob a ótica jurídica para torná-las mais efetivas e democráticas, na esteira do mister constitucional. O GDPP foi criado pela Faculdade de Direito da USP em 2007, e tem contribuído ativamente para esse incipiente diálogo no Brasil, possibilitando o aclaramento das relações entre o arcabouço jurídico e a atuação dos profissionais do direito nas políticas públicas. 

    Numa interpretação exegética extensiva (e correta, a nosso ver) do artigo 133 da Constituição Federal, o advogado precisa ser compreendido como um profissional indispensável à manutenção e ao aprimoramento da própria ordem democrática. Assim, o operador do direito (para além mesmo do próprio advogado) deve, imprescindivelmente, não apenas conhecer sobre as políticas públicas, mas também atuar no sentido de seu aperfeiçoamento constante – o que, por si só, revela-se conditio sine qua non para a evolução do Estado Democrático de Direito, uma conceituação tão utópica quanto necessária para a realização do mister constitucional de se construir, no Brasil, uma sociedade livre, justa e solidária, conforme dispõe o legislador constituinte no artigo 3º, I da Carta Magna.


REFERÊNCIAS

BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas e direito administrativo. Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997. 

BRASIL. [Constituição (1988)]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.  Artigos 3º, I e 133. 

LASSWELL, Harold. The Decision Process: Seven Categories of Functional Analysis. College Park: University of Maryland, 1956. 

SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2022. Valle, Vanice Regina Lírio do. Políticas públicas, direitos fundamentais e controle judicial. Belo Horizonte: Fórum, 2009. 

XIMENES, Julia Maurmann. Direito e políticas públicas / Julia Maurmann Ximenes. – Brasília: Enap, 2021.

quinta-feira, 20 de julho de 2023

Entrevista ao Jornal Estado de Minas - Reforma Tributária

 

A reforma tributária tem sido uma das temáticas políticas e econômicas mais relevantes das últimas semanas e talvez seja a maior aposta do Governo Federal neste ano. Conversei com a jornalista Alessandra Mello, do Jornal Estado de Minas, no dia 18 de julho de 2023.

Seguem trechos que destacam minha preocupação enquanto secretário de Fazenda de Nova Lima-MG. 

Ressalto que, apesar das preocupações, sou plenamente favorável à aludida reforma, mas espero aperfeiçoamentos no texto da projeto nesta nova fase de apreciação no Senado Federal.







Link da matéria - Estado de Minas 18-07


segunda-feira, 3 de julho de 2023

Breves reflexões sobre a morte, a vida e a dignidade humana

Compartilho texto que escrevi a pedido do professor Marco Túlio de Freitas Ribeiro para uma apostila feita para profissionais de saúde que trabalham com cuidados paliativos:


Breves reflexões sobre a morte, a vida e a dignidade humana

Alisson Diego


"A vida enganou a vida, o homem enganou o homem. Por isso, agora, organizei meu sofrimento ao sofrimento De todos: se multipliquei a minha dor, Também multipliquei a minha esperança". 

Versos de “Poema Didático” de Paulo Mendes Campos (1922-1991) 


A convite do professor Marco Túlio de Freitas Ribeiro, escrevo uma breve introdução à esta publicação técnica com o objetivo de oferecer reflexões sobre a finitude da vida a partir de algumas concepções filosóficas, sabendo-se que, preliminarmente, interrogar-se a todo instante sobre o sentido e a finalidade da existência, diante de sua inerente efemeridade, é a mais humana das reflexões. 

A temática da finitude da vida é recorrente em toda a história do pensamento humano. Trata-se de um tema habitual da filosofia, e de diversas áreas do conhecimento e da expressividade humana: na religiosidade, na literatura, na psicologia, na sociologia, na música, na arte, na poesia e, claro, nas disciplinas relacionadas à saúde. 

Dos pré-socráticos até a filosofia contemporânea, muitos pensadores têm se dedicado a reflexões das mais variadas sobre a finitude da vida, temática tão amedrontadora quanto instigante. Sócrates categoricamente chegou a definir a filosofia como uma "preparação para a morte". Centenas de anos depois, o filósofo alemão Schopenhauer (1788-1860) teorizou enfaticamente sobre o tema e afirmou que "a morte é a musa da filosofia". 

Numa das mais clássicas abordagens sobre a temática, Platão, no diálogo Fédon, dedicado ao tema da imortalidade da alma, traça um enredo sobre os últimos momentos da vida de Sócrates, instantes antes de ingerir a cicuta, cumprindo a pena capital a que fora imposto pelas autoridades atenienses. No diálogo, explicita-se que a vida vale a pena se valorosa, e realça que a existência indigna e desprovida de valores seria pior do que a própria morte. No diálogo em questão, o filósofo também argumenta que a morte é apenas mais uma etapa a se seguir e essa compreensão generosa da finitude somente se daria mediante a experiência filosófica, a única capaz de dar conta da totalidade da realidade. 

Santo Agostinho, principal expoente da Patrística, concebe o ser humano em si mesmo como um problema filosófico e transpõe o sentido do existir humano na essência dos planos de Deus, sendo a vida um dom divino. O homem sem Deus seria miserável e apenas reencontrando-se com o divino é que a vida se plenificaria de sentido. Em contraste com o pensamento agostiniano, séculos mais tarde, Sartre defenderá que o homem não possui qualquer uma essência que o precede, isto é, não pode ser definível ou determinável. Como um ser que nunca “é”, o homem deve, por ele mesmo, construir seu próprio sentido para a vida. Assim: 

“a morte jamais é aquilo que dá à vida seu sentido: pelo contrário, é aquilo que, por princípio, suprime da vida toda significação. Se temos de morrer, nossa vida carece de sentido, porque seus problemas não recebem qualquer solução e a própria significação dos problemas permanece indeterminada” (SARTRE, 1997, p. 661). 

 

Sendo a vida um dom divino ou uma livre condicionante para a construção humana, o fato é que se torna impossível abordar a questão da finitude da vida sem levar em consideração o longo e complexo histórico do pensamento filosófico sobre o tema. Algumas dessas concepções são aqui diametralmente mencionadas apenas para demonstrar a complexidade da temática sobre a qual ousa-se brevemente refletir neste pequeno texto. 

Ainda que possua acepções por vezes generosas, a temática da finitude tem sido comumente circundada por sentimentos como o medo, a angústia e o escapismo. Por isso, ao se falar de morte, é inevitável se falar também sobre o tabu que a permeia historicamente, algo muito reforçado na sociedade atual, ao se privilegiar o imediato, o material e o prazer em detrimento da contemplatividade e da transcendência nas experienciações do viver. Vive-se, hoje, como se a vida não tivesse fim ou como se a morte fosse uma espécie de mácula e não uma consequência natural, consoladora e inevitável do viver. 

A morte tem sido tratada como um tabu até mesmo por muitos daqueles que ousam refletir sobre ela. Costumeiramente, falamos da morte como se fosse um fato completamente alheio a nós, isto é, mencionamos a morte tão somente de modo abstrato; quase sempre falamos da morte do outro, mas quase nunca da nossa própria morte. Não por acaso, os cemitérios da contemporaneidade não podem ser vistos pela comunidade. Sob muros altos ou escamoteados em vastos campos verdes, eles ficam, em nossos tempos, cada vez mais à margem das regiões centrais, numa tentativa ingênua de esconder a única certeza de nosso destino. 

Neste sentido é que o escritor e filósofo espanhol, catedrático de Ética na Universidade do País Basco, Fernando Savater, classifica como “espantosa” a nossa reação quando tomamos consciência da certeza de nossa própria finitude (a morte do eu). 

Pode-se dizer que há três interpretações na compreensão da morte: 

I) considerá-la como o início de um ciclo de vida (crença na reencarnação ou na vida incorpórea, comum em vários dogmas religiosos);

II) percebê-la como o fim de um ciclo de vida (a cessação de todos os sofrimentos e o descanso eterno, sem perspectivas de continuidade de uma vida pela alma); 

III) tomá-la como uma possibilidade existencial (diferentemente das duas concepções acima, a possibilidade mostra o destino comum, presente na vida a qualquer tempo). 


Em nenhuma das três concepções, há o componente da certeza fática e/ou mesmo o da consolação, capazes de amainar as dores e o sofrimento da finitude. 

"Existirmos, a que será que se destina?", pergunta retoricamente o cancioneiro Caetano Veloso na célebre canção “Cajuína”, um forró inspirado em Torquato Neto, um talentosíssimo poeta piauiense que deixou a vida aos 28 anos de idade, abruptamente. Se a vida pode ser interrompida a qualquer momento, qual seria, então, o sentido do viver? 

Apraz-me a visão de Epicuro (341 a.C. – 270 a.C.) sobre a morte. Diz o filósofo: “o sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e não-viver não é um mal”. 

Viver é, antes de tudo, uma imensa oportunidade de intervir no mundo e melhorá-lo; coexistir num planeta carente de significação e afeto. Portanto, pensar na morte pode nos fazer viver melhor, com objetivos mais claros, consciência mais ampla e autenticidade. Essa reflexão vale para que o ser humano possa reavaliar, constantemente, o rumo que dá à própria existência, auxiliando na identificação dos erros cometidos, sobretudo quando se pensa no relacionamento que se constrói com as pessoas realmente importantes para a nossa vida. 

Pensar em nosso fim nos concede uma raríssima oportunidade de mudar o que está “errado” enquanto ainda há tempo. Essa deveria ser uma reflexão diária, e não algo angustiante e doloroso. É uma rara oportunidade de fazer valer a vida até o fim. 

Rubem Alves, esse grande pensador brasileiro que tinha o dom de escrever acerca de temáticas profundas com uma simplicidade própria dos grandes gênios, teceu uma reflexão muitíssimo tocante, numa crônica formidável - publicada em 2003, quando o filósofo contava com 70 anos de idade – a qual recomendo enfaticamente a todos aqueles que se dispõem a pensar sobre a morte: 

“Dizem as escrituras sagradas: ‘Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer’. A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A "reverência pela vida" exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a "morienterapia", o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a "Pietà" de Michelângelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo”. (ALVES, Rubem. Sobre a morte e o morrer. Folha de São Paulo, São Paulo, Caderno Sinapse. 12 de outubro de 2003.) 


Ante o percurso feito até aqui, insta interrogar em tons de fechamento: como os cuidados paliativos se relacionam com as cosmovisões filosóficas sobre a vida e a sua imponderável finitude? Os cuidados paliativos relacionam-se a um momento fundamental da experiência vital do ser humano, uma vez que a humanização dos momentos finais da existência representa um caminho mais amplo que a evitação da dor e a partida suave. Os cuidados paliativos são também oportunidades raras de emprestar sentido à vida, em toda a sua dimensão de precariedade e beleza. 

A questão está intrinsecamente vinculada também ao modelo de sociedade que se está a erigir e a consequente sociabilidade ante a qual nos conectamos. Uma sociedade essencialmente ancorada em valores humanísticos, desde a concepção da vida até os instantes finais da existência, não deve prescindir do amor e da solidariedade. Isso representa, ainda, a oportunidade de insculpir uma das mais valorosas qualidades morais: a dignidade – tanto para os que cuidam, quanto para quem está sendo cuidado. Uma vida indigna nunca poderá ser plena e autêntica. Ainda que essa dignidade venha apenas no fim, isso pode representar uma verdadeira redenção para o existir humano, emanando louváveis expressões de esperança, afeto e conforto nas últimas lufadas de vida, tornando-nos mais humanos, plenos e conscientes. 


REFERÊNCIAS 


ALVES, Rubem. Sobre a morte e o morrer. Folha de São Paulo, São Paulo, Caderno Sinapse. 12 de outubro de 2003. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1210200309.htm. Acesso em 01/07/2023. 

CAMPOS, Paulo Mendes. Poesia. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2023. 

SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Trad. Paulo Perdigão. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. 

SAVATER, F. As perguntas da vida. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2001.

sábado, 3 de junho de 2023

Itabira: um olhar sobre a ambiência política (Parte 2)

* Texto publicado na Coluna Magma, do site Sagarana Notícias em maio de 2023 - Link:  Itabira texto 2


“Calo-me, espero, decifro. / As coisas talvez melhorem. São tão fortes as coisas! / Mas eu não sou as coisas e me revolto. / Tenho palavras em mim buscando canal, / são roucas e duras, / irritadas, enérgicas, / comprimidas há tanto tempo, / perderam o sentido, apenas querem explodir” 

(Versos de “Nosso Tempo”, poema de Carlos Drummond de Andrade publicado em 1940, na antologia Sentimento do Mundo. O poema foi escrito no final da década de 1930, durante a Segunda Guerra Mundial) 


Alisson Diego em meados de 2021 no térreo da Prefeitura de Itabira.
Créditos: Filipe Augusto.

Dando sequência ao texto anterior, no qual abordei um pouco de meu olhar a respeito da gestão municipal em Itabira, após 15 meses de vivência na cidade, nesta coluna explorarei, sem quaisquer pretensões acadêmicas (se não, o faria numa revista científica e não numa coluna preponderantemente literária e livre das amarras metodológicas), algumas faces da ambiência política hodierna na terra de Drummond. 

No primeiro texto, compartilhei um pouco da minha visão sobre alguns dos aspectos administrativos gerais do município: a estrutura da gestão, os instrumentos de planejamento público existentes, o histórico recente e elenquei um desafio contemporâneo. Neste artigo, o objetivo é abordar, sem adentrar em minudências, as relações sociais e políticas a partir da nova gestão que se inaugura em Itabira em janeiro de 2021. Como é o ambiente político itabirano? O que se pode constatar da política municipal após pouco mais de um ano de vivências? São duas das perguntas a serem respondidas pelo tecnocrata-literato-pensador. 

Um dos primeiros aspectos a chamar a atenção na gestão atual de Itabira é o próprio prefeito, Marco Antônio Lage. Não se trata de um político caricato; não é, notadamente, um neófito no ambiente político em busca de holofotes e poder – e isso é raro. Basta ler a sua biografia para perceber que se trata de um homem realizado profissionalmente e que ingressou na política porque desejava oferecer aos seus concidadãos a larga experiência à frente da área de comunicação de uma das maiores empresas multinacionais instaladas no Brasil. 

A maioria dos políticos interioranos pensa apenas em reeleições, relegando a segundo ou terceiro planos um planejamento consistente e efetivo de médio e longo prazos para as cidades. Marco Antônio, desde o início de sua gestão, pensou diferente e decidiu projetar Itabira para um novo tempo. Não possuía um projeto de poder para perpetuar seu recém-criado grupo político na máquina pública. Almejava, e isso estava claro, deixar um legado político e administrativo para a sua cidade, diversificando a economia, diminuindo a dependência econômica, financeira e orçamentária da Vale e estabelecendo um novo patamar de qualidade de vida para a população. Algo louvável na política brasileira, movida majoritariamente por interesses próprios, travestidos das mais nobres preocupações coletivas. 


Foto da sede da Prefeitura de Itabira. Créditos: Assessoria de  Comunicação da PMI 


Além desse apontamento, isto é, um chefe do Executivo municipal convictamente interessado em mudar estruturas e destituído de interesses personalistas, outros três aspectos podem ser destacados ao se analisar a ambiência política itabirana – um claramente local e os outros dois notadamente caracterizadores da política nacional – elementos um tanto complexos e que demonstram o tamanho do desafio que é navegar nas turvas águas da política. São eles: 1) a tensão entre Executivo e Legislativo; 2) o relacionamento complexo com a Vale S.A.; 3) o papel da mídia local nas articulações políticas. 

O primeiro ponto é perceptível e, de acordo com fontes que ouvi na cidade, a relação entre Executivo e Legislativo tem sido um dos grandes desafios do município ao longo das décadas. O clima de adversidade política, muitas das vezes, ultrapassa o limite do razoável e a crítica saudável e necessária dá lugar a um relacionamento deletério para a democracia, uma vez que dinamita quaisquer possibilidades de um diálogo emancipador visando aos interesses da cidade acima de nuanças partidárias e/ou personalistas. 

No interior, sempre ouvi o dito popular: “quando um não quer, dois não brigam”. É possível amenizar o ambiente hostil quando um dos lados propõe a pacificação. Todavia, quando um dos lados não quer fazer as pazes, o clima nunca será totalmente ameno. No caso de Itabira, é perceptível essa hostilidade desmedida que, em parte, traduz um pouco do sentimento do que vem ocorrendo com o Brasil desde o impeachment infamemente fabricado contra a presidenta Dilma Rousseff: Legislativo cada vez mais fortalecido e que tenta impor as suas vontades (algumas, de fato, inseridas no escopo da representação popular, mas outras indizivelmente desviadas da melhor finalidade republicana, ética e democrática) a qualquer custo a um Executivo cada vez mais enfraquecido e dependente de maiorias parlamentares. 

Nesse sentido, há de se destacar um componente nitidamente itabirano: a não tradição em reeleger prefeitos. Isso denota um elemento importante porque a Câmara Municipal pode projetar nomes para almejar o Executivo. Assim, é preciso “bater” para aparecer. O único chefe do executivo reeleito em mais de duas décadas foi João Izael (2005-2012). Agrava esse contexto e a dificuldade do diálogo interpoderes se potencializa com alguns desacertos na condução política – o que é absolutamente normal em se tratando de governos novos. 

Acrescente-se que todos os governos (nas três esferas da federação) possuem seus desacertos e as escolhas (sobretudo do primeiro escalão) nem sempre são as mais adequadas, algo que só pode ser constatado ao longo do caminho. Afinal de contas, ninguém tem bola de cristal. O importante, nesse caso, é ter a capacidade de fazer a correção de rotas. Isso também foi e tem sido feito em Itabira. O prefeito, nos momentos em que necessitou, fez alterações necessárias, inclusive com base nas entregas ou “não entregas” e a aderência ao propósito do governo. 

O segundo ponto observado no que concerne à política local diz respeito à Vale S.A., mencionada também no primeiro artigo, enfocando a vampirização provocada pela monocultura mineral. Se no primeiro texto a questão se referia ao aspecto administrativo da dependência econômica e financeira da mineradora e à instabilidade estrutural que isso causa, já neste artigo a questão é a abordagem política. A Vale é responsável por pautar boa parte do debate político itabirano. A companhia não possui (ou finge não compreender) a verdadeira dimensão de sua importância para o contexto municipal. Ao invés de induzir grandes projetos de desenvolvimento, de modo a reduzir a sua dependência, insiste em um discurso cooperativo, mas que, na prática, não tem sido capaz de alterar substancialmente a realidade econômica do município. Itabira deve muito à Vale (seu crescimento se ancorou, desde os anos 40, na atividade mineradora) e isso todos sabem, mas a Vale deve TUDO a Itabira porque sem as riquezas minerais (o berço da exploração de larga escala no Brasil), sequer existiria essa multinacional. Ainda há tempo de corrigir essa situação, desde que a Vale saia da narrativa e auxilie, de forma efetiva, o munícipio numa real transformação/diversificação de sua matriz econômica. 

Por fim, vale mencionar a mídia local como terceiro aspecto da ambiência política itabirana. Como ocorre em quase todas as cidades que conheci de perto, Itabira possui uma mídia bastante ativa. Parte dela se comporta como porta-voz de interesses notadamente privados, mas que, travestidos de interesse público, confundem e muito os cidadãos. Ressalte-se que há na cidade jornais sérios e jornalistas responsáveis, mas uma minoria barulhenta, flagrantemente financiada por ambições escusas, consegue tumultuar o ambiente político e confundir parte da população, impondo temáticas à agenda pública. 

Para não parecer um analista metódico e insensível, preciso dizer algo para terminar: Itabira conquistou o meu coração. Senti uma mineiridade candente ali, uma identificação poética, humana, solidária. Fui muito bem recebido, profissional e afetivamente, e isso não será esquecido nunca. 

Eu sei que é meio clichê a frase de Antoine de Saint-Exupéry na imorredoura e genial obra "O Pequeno Príncipe", mas ela é a que melhor ilustra a minha relação com a Pedra que Brilha: “Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé” (Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas). Itabira me cativou e eu, de certo modo, cativei alguns bons amigos na cidade. Minha relação, pois, com a terra do minério não acabou com o fim de meu ciclo profissional. Eu continuo daqui, com um pouco de ferro nas almas, afetivamente responsável e vigilante pela cidade que, afinal, é também o berço do meu poeta predileto nesta e noutras vidas. Eu simplesmente não quereria ter nascido num mundo onde não existissem os versos de Drummond. E termino com alguns deles sobre a sua/nossa cidade:


“A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, 
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizonte 
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, 
é doce herança itabirana.”

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Itabira: um olhar estrutural sobre a gestão (Parte 1)

“tudo se apresentou nesse relancee me chamou para seu reino augusto,afinal submetido à vista humana.” (Carlos Drummond de Andrade - A Máquina do Mundo)


Foto com a estátua de Drummond na Fundação Cultural
Carlos Drummond de Andrade (FCCDA),
na região central de Itabira. Outubro de 2022.

É impossível resumir em poucas páginas uma vivência tão rica e impactante de pouco mais de um ano em uma cidade, vivendo o dia a dia da gestão municipal, atuando no planejamento de um novo governo com altas expectativas e avaliando, política e administrativamente, as idiossincrasias dessa sociedade. Imerso numa comunidade com características muito específicas e detentora de uma história e uma cultura tão vastas como é o caso de Itabira, a tarefa se torna ainda mais árdua.

Por isso, é imperioso fazer um recorte temático e delimitar muito bem o escopo deste texto, sob pena de, ao se tentar falar de tudo, não se conseguir falar de nada especificamente. Abordarei, em dois textos distintos, mas complementares, dois aspectos da minha experiência em 15 meses na gestão itabirana: um olhar sobre a gestão de um lado e um olhar sobre a política de outro. Em alguns momentos, esses dois conceitos se entrelaçam, mas precisam ser vistos como eixos distintos.

Neste primeiro texto, abordarei  especificamente os aspectos administrativos gerais (um olhar voltado à gestão), ou seja, os números, a estrutura administrativa, a cultura e as tradições da prefeitura, as rotinas de gestão e os instrumentos de planejamento público existentes.

Cheguei em Itabira em dois de março de 2021, exatamente no dia do meu aniversário de 36 anos. Sem festejos natalícios, iniciei os trabalhos de leitura organizacional naquela manhã, avaliando os instrumentos de planejamento existentes, pesquisando o plano de governo vencedor das eleições, ouvindo os principais atores políticos e administrativos e estudando, lato sensu, a cidade.

O diálogo foi amplo e muito intenso para forjar um diagnóstico situacional verossímil – sem essa etapa, seria impossível dar o passo seguinte: reunir a equipe estratégica em alguns seminários para elaborar o Plano de Investimentos propriamente dito (que o prefeito nomeou, em inspirado ímpeto juscelinista, de “Plano de Metas”).

Nesse período, pude fazer algumas constatações iniciais: me chamou a atenção a equipe formada pelo prefeito Marco Antônio Lage. Um time diverso, majoritariamente técnico, mas com algumas figuras políticas importantes e todos imbuídos de um propósito: transformar Itabira, melhorar a qualidade de vida da população, dar um verdadeiro salto histórico.

Vale um adendo: não acredito em vida sem propósito, imagine então uma gestão sem propósito! É inadmissível, mas é o que mais noto por aí – prefeitos eleitos sem projetos, com boa vontade, mas destituídos de um propósito claro sobre “o que e por que fazer”. E por propósito me refiro mais do que à mera intenção; é a finalidade, o télos como diziam os gregos. O ambiente itabirano podia ser definido em uma palavra e esta era: motivação.

Sobre os aspectos administrativos mais amplos, três pontos se destacaram em meu olhar, dois positivos e um negativo: as finanças públicas saudáveis, a cultura de planejamento público são os pontos positivos e a enorme dependência da Vale, o negativo. Abordo os três a seguir.

A Prefeitura de Itabira havia passado por apuros financeiros e orçamentários há menos de uma década, devido à crise das commodities e a diminuição drástica da atividade mineradora. A queda recorde de arrecadação (CFEM despencou, ICMS e ISS também decaíram fortemente), aliada a uma gestão despreparada, causou grande impopularidade ao prefeito da época, que teve a sua carreira política enterrada com uma votação inexpressiva – o roteiro parece ter deixado um legado de aprendizagens e a cidade, a partir daí, passou a ter maior austeridade financeira para não contar integralmente com um mercado que, por mais previsível que pareça, traz em si a volatilidade.

O segundo enfoque diz respeito à uma cultura de planejamento público, iniciada há quase duas décadas com a implantação da Secretaria de Planejamento no município. As melhores práticas administrativas mostram os benefícios de haver, nas estruturas das gestões municipais, uma secretaria destinada a coordenar o planejamento, monitorar e avaliar as políticas públicas, gerir as políticas orçamentárias e articular instrumentos de modernização da gestão – o que garante maior profissionalização, além de eficiência na execução dos programas, projetos e ações governamentais.

Fiz uma breve análise entre algumas das maiores cidades mineiras e Itabira é uma das mais organizadas do ponto de vista do planejamento orçamentário. Ressalto: isso faz toda a diferença para o município e não é comum em cidades em Minas Gerais e no Brasil haver uma secretaria destinada unicamente ao planejamento. Muitas secretarias de planejamento Brasil afora não são exclusivas e, por ignorância ou economicidade excessiva, as gestões unificam-nas com outros serrotes como administração, finanças e até políticas urbanas, fazendo com que o foco seja dividido e o planejamento seja deixado de lado.

Por fim, a dependência da Vale segue preocupante. Essa é uma dependência sistêmica: orçamentária, financeira e econômica. A mineradora global, que nasceu em Itabira na década de 1940, é responsável pela maior parte da arrecadação do município, direta e indiretamente, também impacta a geração de emprego e renda e influencia em toda a organização sócio-econômica itabirana. Até o momento, as estratégias de diversificação econômica não se mostraram efetivas.

Desde o mandato do prefeito Olímpio Pires Guerra (1997 a 2000), Itabira tem buscado louváveis alternativas e elaborado planos de diversificação econômica, mas a dependência da Vale não tem reduzido. Isso se dá por uma simples razão: não basta o município, sozinho, tecer uma estratégia de diversificação. É preciso ação efetiva do estado brasileiro e do governo de Minas Gerais. A prefeitura é o polo hipossuficiente nesta relação federativa e não prescinde da atuação estatal para dinamizar sua economia. Garantir uma vida de qualidade para a população itabirana será um desafio constante diante da exaustão mineral que se avizinha.

Como se pode depreender, as abordagens aqui foram mais amplas, estruturais e evidenciadas no aspecto da gestão municipal. Se contam favoravelmente as finanças públicas saudáveis (responsavelmente mantidas pelo prefeito Marco Antônio) e a cultura institucionalizada do planejamento público,   a dependência da Vale continua a ser um desafio que se aproxima de uma “aporia”, o que na filosofia significa um dilema aparentemente sem saída. Saída, na verdade há, desde que o estado brasileiro pague sua dívida com Itabira.

A cidade, terra do Poeta Maior e berço do minério de ferro brasileiro, pela inestimável importância que tem, não pode ficar à mercê da vampirização provocada pela monocultura minerária. O estado apadrinhou a Vale em 1942 e precisa apadrinhar Itabira e sua população agora. Afinal, como dizemos aqui em Minas: “quem tem padrinho, não morre pagão”.

Este texto continua na próxima coluna. Na segunda parte, apresentarei um olhar voltado para a ambiência política.

domingo, 14 de maio de 2023

Nova Lima: O Dilema da Cidade Rica

* Artigo escrito em coatoria com o prefeito de Nova Lima-MG, João Marcelo Dieguez (2021-2024), para a Revista Viva Grande BH, edição 268 - Maio de 2023.


Foto panorâmica da região central de Nova Lima-MG
Créditos: Semco - Prefeitura de Nova Lima.


O noticiário de economia da imprensa em geral, com alguma frequência, destaca Nova Lima como “a cidade mais rica do Brasil”. Isso, de alguma forma, pode até lisonjear alguns dos nossos concidadãos, mas é preciso esclarecer essa temática e colocar foco em algumas questões, além de valer-nos de alguns exemplos bastante elucidativos. Quando se analisa, por exemplo, o orçamento público de Nova Lima, ele pode ser considerado acima da média, mas não se trata de algo espetacular, pois sequer estamos entre os 5 maiores orçamentos públicos de Minas Gerais. 

Nossa arrecadação passa de R$ 1,1 bilhão (2021/2022), mas em municípios como Niterói (RJ), por exemplo, ela chega a R$ 4,3 bilhões. São 523,6 mil habitantes na cidade fluminense e 117,8 mil em nossa cidade. A arrecadação per capita entre as cidades fica assim: R$ 9,7 mil, em Nova Lima, contra R$ 8,2 mil, em Niterói. 

Se tomarmos como exemplo a cidade mineira de Conceição do Mato Dentro, que possui pouco mais de 23 mil habitantes, a arrecadação per capita chega a nada menos do que R$ 30,5 mil, a mais elevada num ranking de 15 cidades brasileiras. Mas de onde vem, então, a qualificação de “cidade mais rica” do país?

Esclarecemos a seguir. 

Para nós, analisar a renda per capita é pouco efetivo para abranger a realidade social de um município, uma vez que se baseia unicamente na média das declarações de Imposto de Renda e dados populacionais. Ademais, não se consegue, apenas sob esta ótica, avaliar os imensos desafios e as históricas carências com as quais a gestão pública municipal precisa lidar. 

Em Nova Lima, podemos citar três desafios que consideramos gigantescos. O primeiro desafio é hercúleo: precisamos tornar realidade um projeto amplo de desenvolvimento sustentável que contemple 100% do saneamento básico de Nova Lima no curto prazo. 

No Brasil, de acordo com a Lei nº 11.445 (e consequentes alterações trazidas pela Lei 14.026/2020), é dever do governo buscar formas de proporcionar a universalização dos serviços de esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, coleta de lixo e destinação adequada para esses resíduos e rejeitos, além de drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, sendo que o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) definiu o ano de 2033 como meta para que isso seja implementado.

Nova Lima possui apenas 20% de seus efluentes tratados – fato insustentável para uma “cidade rica”, porque saneamento básico significa investimento em saúde, em meio ambiente, em qualidade de vida. Além dos desafios financeiros e orçamentários, há ainda questões geográficas, políticas e administrativas (tendo em vista a concessão do serviço para a Copasa). Mas esta é a necessidade das necessidades do nosso município. 

O segundo desafio, talvez o mais emblemático, é o da desigualdade social. Sim, a “cidade rica” possui uma fatia significativa de sua população ainda na linha da pobreza. Este problema tem sido atacado por várias frentes e um projeto para a criação do Programa Nova Renda, de transferência de renda, acaba de ser enviado para a Câmara dos Vereadores. O número de famílias que atendem ao critério de renda per capita para o novo programa, conforme estudos realizados em janeiro de 2023, é estimado em 5.889 – 15.587 pessoas no total. Nosso objetivo é zerar o número de pessoas em situação de pobreza extrema no município. 

Outro imenso desafio do município é a necessidade de diversificação econômica e redução gradual da dependência da mineração e da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem). Para tanto, o trabalho da Prefeitura tem sido no sentido de atrair empresas de qualidade com empregos também de qualidade. 

Neste aspecto, a Prefeitura foca esforços tanto na prospecção de empreendedores, como também na qualificação da mão de obra local, com parcerias com o Senai e o Sebrae, para oferta de cursos técnicos gratuitos, além de especial atenção na economia criativa e no turismo. 

Os resultados dos esforços da gestão municipal já podem ser sentidos e se revelam pelo crescimento dos percentuais da cota parte do ICMS (25,40%) e do ISSQN (20,28%) na arrecadação de 2022. A Cfem, que já chegou a liderar a participação na arrecadação local, ficou, por sua vez, na terceira colocação no ranking das receitas, sendo responsável por 12,05% da arrecadação municipal. 

Essa é a prova de que políticas públicas e o correto planejamento governamental geram resultados. Um exemplo: o orçamento da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Renda (Semde) subiu de R$ 4,2 milhões, em 2021, primeiro ano da atual gestão, para R$ 26 milhões, em 2023. 

Aqui temos em mente que uma cidade verdadeiramente rica é uma cidade de oportunidades para todos e sem pobreza. E é neste sentido que esta gestão caminha.

quarta-feira, 10 de maio de 2023

O hodômetro não para, mas é preciso olhar para a estrada


Um amigo de longuíssima data que sempre acompanhou a minha trajetória profissional me enviou uma mensagem logo que assumi o cargo de secretário de Fazenda de Nova Lima: “Parabéns, meu caro! Você merece e Nova Lima ganha muito com você nesta função estratégica”. Agradeci muito porque, afinal, o reconhecimento de um amigo vale mais que qualquer famigerada honraria. No fim das mensagens trocadas, ele emendou: “Ah, e você agora já está rodado, hein”.

De fato, a gíria utilizada majoritariamente no mundo do futebol – para designar os jogadores que já passaram dos 30 e vestiram algumas camisas e disputaram muitos campeonatos – serviu muito bem à minha situação. Meu hodômetro profissional já registrou muitos quilômetros ao longo desses quase 20 anos de gestão pública. Desde que venci as eleições para vereador em Itaguara, aos 19 anos de idade, vivi e aprendi muita coisa nos caminhos e descaminhos da gestão pública. Foram 4 anos como vereador, 8 anos como prefeito, quase 3 como diretor-geral do SAAE Itaúna e secretário de Planejamento e Governo da mesma cidade, mais um ano e meio em Itabira (como assessor de projetos estratégicos, chefe de gabinete e secretário de planejamento) e, agora, estou completando um ano como secretário de Fazenda em Nova Lima.

Ainda não sou “velho”, apesar de ser “rodado” e sinto isso um privilégio que a existência me proporcionou. O que significa que posso refletir bastante sobre o passado, ao mesmo tempo em que consigo analisar as possibilidades de aplicação na minha área profissional no tempo presente: a gestão pública orientada a resultados e enfocada na melhoria da vida em sua multiplicidade, incluindo a saúde do próprio planeta que nos abriga.

Esses parágrafos não são nenhuma justificação para dizer que estou a escrever minhas memórias, pois ainda não estou. Espero viver uns 90 anos, acumular muito mais experiência para, enfim, fazê-lo. Mas preciso, agora, contextualizar os leitores que, a partir das próximas semanas, publicarei alguns artigos, de tonalidade nitidamente ensaística, com o objetivo de refletir sobre essas minhas “rodagens” na senda pública.

Não utilizarei a cronologia para balizar esses escritos e pretendo abordar todas as cidades por onde passei (Itaguara, Itaúna, Itabira e Nova Lima) e as especificidades de cada uma. Começarei por Itabira, minha penúltima experiência na gestão municipal, pelas razões que explico no próximo parágrafo.

A provocação para escrever essas minhas vivências surgiu do amigo jornalista e consultor de marketing, Márcio Passos, exímio analista pragmático das realidades sociais e políticas do médio Piracicaba. Márcio disse, sem tergiversações, poucas semanas após eu deixar Itabira: “Alisson, posso lhe pedir uma coisa”. Amigos quase nunca dizem não e respondi prontamente: Claro, Márcio, peça. “Você é um escritor, portanto, escreva algo sobre o seu período em Itabira!”. Passos disse, com ênfase, que eu precisava colocar no papel o meu olhar “técnico e político”. Entendi que não era para escrever sobre metodologias de gestão, experiências na elaboração dos instrumentos orçamentários, lições apreendidas etc. Já que não consigo afastar o “técnico do político” (o que faz de mim um misto de gestor, tecnocrata e político, uma vez que não consigo, definitivamente, buscar soluções apenas técnicas sem levar em consideração as nuances políticas), a questão seria expor a minha avaliação e maneira mais holística possível.

Prometi ao Márcio escrever um ensaio e, após algum tempo (quase um ano), já me sinto bem seguro para imprimir os meus testemunhos além de uma abordagem puramente técnica. Publicarei, então, a minha visão itabirana na próxima coluna aqui no SN. Afinal, pedidos sinceros e enfáticos de amigos não são recusáveis. Além do mais, o pedido do Márcio provocou em mim um desafio novo, isso porque eu nunca havia escrito nada sobre minhas vivências nas cidades em que trabalhei, afora Itaguara. E gestores-pensadores inquietos como eu, adoram um desafio.

Admoesto que não sou polemista, mas não tenho vocação para a “passividade do olhar”, caracterizadora de muitos dos analistas políticos contemporâneos.

Prometo, pois, a "sinceridade elegante" em minha análise, amigo Márcio. Espero não decepcioná-lo.


* Artigo originalmente escrito para a Coluna Magma do Portal Sagarana Notícias em 07/05/2023.

domingo, 9 de abril de 2023

Amígdalas inflamadas e leituras murilianas: Tudo é graça nesta vida agonizante *

Semana santa e feriado prolongado a partir de quinta-feira para nós que ousamos, ainda, exercer o múnus público. Costumeiramente, utilizo esses quatro dias para três finalidades: estudar, exercitar e refletir sobre a religiosidade e a transcendência. Fico no meu lugar de sempre: Itaguara, casa de mãe e avós. Meu habitat histórico-espiritual.

O que eu não contava era que este ano uma amigdalite fortíssima me acometeria justamente na quarta-feira santa, um dia antes de viajar para o retiro pascal itaguarense. Numa consulta na noite de quarta-feira, a médica foi categórica: “viaje quando melhorar, não beba ou fume e mantenha o repouso”. Um dos três propósitos, o exercício físico (as trilhas e/ou longas caminhadas) estava prejudicado, então restava-me dedicar a ler e refletir. Mas tudo eu costumo viver sem altos reclames porque como nos ensinou Santa Teresinha do Menino Jesus: “Tudo é graça”. Melhorei um pouquinho e vencida momentaneamente a febre, na quinta-feira mesmo, à tardezinha, mentalizei o Salmo 140, pedi a proteção à Nossa Senhora do Livramento e parti para Itaguara. Àquela altura, eu já havia lido, entre quarta à noite e quinta pela manhã, mais da metade de um denso livro filosófico.

Ao chegar em casa materna, a garganta tornara a incomodar, mas não a ponto de afastar o meu propósito. Entre a febre que retrocedia e voltava ciclicamente, decidi fugir das leituras que havia me proposto inicialmente (relatórios gerenciais, estudos tributários e dois livros filosóficos para o doutorado). “Preciso de literatura brasileira, mineira, além de uma obra filosófica e talvez algumas crónicas”, disse a mim mesmo. Foi então que optei por me dedicar a três livros: um de Luís Fernando Veríssimo, uma tese de doutorado sobre a teoria democrática em Habermas e Honneth (que já havia começado a ler na noite anterior) e o que mais me motivava: a antologia de Murilo Rubião.

Nunca leio exclusivamente uma obra. Gosto de ler três ao mesmo tempo (e de gêneros diferentes) para descansar e instigar a mente. Quando a leitura filosófica fica pesada, vou de crônica. Quando as crônicas se tornam maçantes, fio-me nos contos. E por aí vai...

Entre crônicas, teses filosóficas e contos, preciso falar de Rubião. Acabo de terminar as suas “Obras completas”. Foi uma (re)leitura mágica, doce, transcendente – não poderia ter feito escolha melhor para esta semana santa. Eu já havia lido uns cinco ou seis contos do Murilo, mas não me aventurara, até então, a ler as obras completas e posso dizer que fiquei no mais completo êxtase ao fazê-lo.

Logo ao terminar a leitura muriliana, ontem mesmo, após horas e horas de compenetração, enviei uma mensagem para um fraterníssimo amigo que estuda Letras na prestigiosa FALE, na UFMG, dizendo do meu entusiasmo com Rubião. Como um balde de água fria, ele me disse: “Eu gosto muito, mas sinto uma tristeza por saber que ele é praticamente um desconhecido nas faculdades de letras”. “Como assim!?”, pensei sobressaltado! Trocamos mais uma dezena de mensagens e fiquei refletindo: como pode um autor mineiro tão inovador ser desconhecido? Do grande público ainda vá lá porque nossos tempos de massificação cultural são mesmo aterradores, mas até dos estudantes de letras em Minas Gerais!?

E por qual motivo Murilo Rubião (1916-1991), não pode ser desconhecido? Dentre outras razões, porque o autor mineiro foi o grande precursor da literatura fantástica no Brasil e na América Latina, antes mesmo do célebre trio mágico surgir: Gabo, Cortázar e Borges. Murilo possui um estilo literário muito original, além de ser metódico, cirúrgico, um verdadeiro escultor de palavras. Dentro do propósito que traçou para a sua literatura: a narrativa baseada na extraordinariedade, a capacidade de ser disruptivo sem promover rupturas, isto é, de naturalizar o absurdo na tessitura de um encadeamento textual peculiar. Comparado a Kafka, o escritor mineiro disse numa entrevista que sua influência viera mesmo de Machado de Assis e que sequer havia lido o escritor de língua alemã antes de publicar seus primeiros textos.


Murilo Rubião em Ilustração por Rafael Rubião


Um dos contos de que mais gosto é ‘O Pirotécnico Zacarias’, publicado em meados dos anos 1970. Nele, o narrador-defunto escancara, por meio de várias situações e diálogos cotidianos, o absurdo da condição humana. Atualíssima é a conclusão a que chega o personagem, após observar a sociedade e refletir sobre a sua condição quase nada incômoda de vivo-morto ou de morto-vivo, a depender do ponto de vista: “Só um pensamento me oprime: que acontecimentos o destino reservará a um morto se os vivos respiram uma vida agonizante? E a minha angústia cresce ao sentir, na sua plenitude, que a minha capacidade de amar, discernir as coisas, é bem superior à dos seres que por mim passam assustados”.

Murilo não foi um escritor prolífico, apesar de sua obra ser rica e complexa. Produzia pouco para produzir bem, talvez por isso mesmo a sua literatura seja tão potente e tangível em sua intangibilidade. Sua obra é muito necessária na atualidade, diante da complexidade que as relações humanas passaram a representar em nosso momento histórico, uma era tão absurda quanto alguns dos contos do próprio Murilo, embora em nossa realidade distópica esteja ausente a irreverente genialidade do escritor mineiro. Em seu lugar, há uma massificação de tudo, uma hegemonização cultural empobrecedora.

Além de seus predicados literários, Murilo Rubião dirigiu a rádio Inconfidência, foi oficial de gabinete do governador Juscelino Kubitschek e chefiou o Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil na Espanha. Sua vida dividiu-se, portanto, entre as burocracias do múnus público e os afazeres literários. Rubião precisa se fazer presente, não para adornar qualquer mineirismo rançoso, mas para o devido reconhecimento de sua obra magistral, fertilizadora de caminhos novos e, claro, para o deleite de todos aqueles que privilegiam uma literatura autêntica.

Eu vejo e sinto: Rubião está presente. Que tenhamos olhos de vê-lo e sensibilidade em lê-lo, a fim de, pelo menos, tentarmos romper com essa “vida agonizante” de nosso tempo, incapaz de “amar e discernir as coisas”.


*  Texto originalmente publicado no site Sagarana Notícias em abril de 2023