Urna eletrônica é embalada para uso durante as eleições, na Escola Judiciária Eleitoral do Rio de Janeiro - 26/09/2018 Mauro Pimentel/AFP |
Passadas as eleições municipais, é momento de se debruçar sobre os resultados eleitorais e decodificar, com racionalidade, a voz das urnas. Não é tão simples, como podem sugerir alguns especialistas, analisar, com a devida contextualização, os resultados de um processo eleitoral, sobretudo num país tão extenso, plural e complexo como o nosso. Requer frieza e afastamento das passionalidades. Este artigo se propõe a fazer uma breve análise, com uma abordagem a mais clara e objetiva possível.
Pode-se dizer que os grandes vencedores deste pleito foram os partidos representantes do famigerado “centrão” - esta é a primeira constatação proveniente das urnas dos municípios. As agremiações partidárias PP, DEM, Republicanos e PL, algumas das principais representantes da centro-direita, tiveram crescimentos relevantes, tanto no número de prefeitos, quanto de vereadores. Essa tendência foi observada no Brasil e em Minas Gerais, onde os partidos tradicionais também perderam espaço: MDB, PSDB e PT reduziram significativamente o número de prefeitos eleitos em comparação com as últimas eleições.
Desde a redemocratização, essa foi a primeira vez que nenhum partido elegeu mais de cem prefeitos em nosso estado – o que caracteriza outra significativa característica deste pleito municipal, tanto em Minas Gerais, como em todo o território nacional: a pulverização partidária – eis a segunda constatação. As grandes agremiações partidárias (MDB, PSDB e PT, principalmente) perderam espaço para legendas mais novas (PSD, Podemos, Solidariedade e Avante, por exemplo). Em Minas Gerais, assim como no Brasil, o MDB permanece na liderança como a legenda que mais elegeu representantes no Executivo municipal, mas a queda foi considerável. Em 2020, foram 98 prefeitos eleitos em Minas Gerais – 61 a menos que nas eleições de 2016, quando a sigla obteve 159. Em seguida aparecem: PSDB (86 prefeitos), DEM (84), PSD (78), PP (65) e Avante (50).
Quando se analisa a população governada, o PSD é o partido que governará o maior número de habitantes no estado (4,5 milhões), seguido por DEM (1,9 milhões), PT (1,8 milhões), PP (1,7 milhões) e PSDB (1,6 milhões). Os números deixam claro que o PSD é o grande vencedor em Minas Gerais, sobretudo por ter levado a capital com a reeleição histórica de Alexandre Kalil com 63,36% dos votos válidos. Já as vitórias do PT no segundo turno em Juiz de Fora (Margarida Salomão) e Contagem (Marília Campos) recolocaram o partido no mapa eleitoral mineiro e evitaram um declínio ainda maior.
A terceira constatação diz respeito às abstenções neste pleito em tempos pandêmicos. O Brasil registrou uma abstenção de 23,14% (34,2 milhões de eleitores deixaram de votar), o que representa a maior taxa dos últimos 20 anos em eleições municipais. Na eleição mais recente, a presidencial de 2018, a abstenção no primeiro turno ficou em 20,33%. Nos pleitos anteriores, o não comparecimento ficou em 17,6%, em 2016, e 16,9% em 2012 (números do primeiro turno). Os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro apresentaram os maiores índices de abstenção de eleitores no primeiro turno das eleições municipais, 27,3% e 28%, respectivamente. Em Minas Gerais, a taxa de abstenção foi de 23%.
Uma questão absolutamente relevante é a taxa de reeleição dos prefeitos brasileiros. O percentual de chefes locais do executivo que conquistaram um segundo mandato é o maior desde 2008. Cerca de 63% dos candidatos que tentaram a reeleição foram exitosos. Em 2016, o percentual de reeleição foi o menor da história, desde que foi aprovada a reeleição no país (47%). Nos 853 municípios mineiros, 346 prefeitos foram reeleitos, o que corresponde a 40,63% do total – um crescimento significativo também no estado, quando se compara com as eleições passadas cuja taxa de reeleição foi de 24%. A quarta constatação, portanto, é o aumento da taxa de reeleição.
Derrota dos grandes partidos, pulverização partidária, aumento da abstenção e alta taxa de reeleição são quatro importantes constatações desse pleito, mas ainda nos resta mencionar pelo menos outros dois sinais emitidos pelas urnas municipais: a derrota de Bolsonaro e o impacto para as eleições presidenciais de 2022 (ao final deste artigo ainda mencionarei a histórica sub-representação em nossa democracia).
O presidente Bolsonaro, mesmo sem partido, participou ativamente de algumas candidaturas a prefeito e o fez por meio das suas icônicas “lives” semanais transmitidas por suas redes sociais. Ele apoiou abertamente 63 candidatos em todo o país: 18 a prefeito, 1 a senador (em Mato Grosso, houve eleição suplementar) e 44 a vereador. Apenas 11 candidatos a vereador e 5 a prefeito foram eleitos – um deles é o mineiro Gustavo Nunes (PSL), prefeito eleito de Ipatinga, no Vale do Aço. As principais derrotas bolsonaristas se deram nas capitais de São Paulo e do Rio de Janeiro. Celso Russomanno (PRB), começou a campanha liderando as pesquisas de intenção de voto para a Prefeitura de São Paulo, mas quando recebeu o apoio formal do presidente, despencou nas pesquisas e terminou o pleito apenas em quarto lugar. O bispo da Igreja Universal e atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella (REP), conseguiu chegar ao segundo turno, mas foi derrotado de maneira acachapante, obtendo apenas 35,93% dos votos, ante 64,07% de Eduardo Paes (DEM). O declínio do bolsonarismo é a quinta constatação dessas eleições municipais.
Cientistas políticos e analistas convergem acerca da derrota eleitoral sofrida pelo presidente e o consequente enfraquecimento do radicalismo e do discurso de ódio propalados por ele. Há, no entanto, uma indagação decorrente dessas constatações: quais os impactos para as eleições de 2022? Vislumbra-se uma derrota de Bolsonaro daqui a dois anos?
A sexta e última constatação a respeito das eleições municipais, portanto, associa-se justamente ao futuro da quarta maior democracia do planeta, que estará em jogo nas próximas eleições. Se é verdade que Bolsonaro foi um dos grandes derrotados no pleito municipal, disso não decorre que, necessariamente, ele perderá as eleições em 2022. “Ninguém chega ao poder por acaso”, lembra sempre o ex-presidente FHC em suas análises sobre a vitória de Bolsonaro em 2018. O capitão presidente é fruto de um amplo movimento de extrema-direita mundial que emergiu em várias nações nos últimos anos – consequência também de descontentamentos das populações com a corrupção e a economia vacilante, incapaz de promover prosperidade e oportunidades. Assim como não “surgiu do nada”, mas como fruto de um amplo, avassalador e complexo processo, o bolsonarismo não desaparecerá num estalar de dedos e não está liquidado, mesmo após o seu fraquíssimo desempenho nas eleições municipais (analogamente, podemos dizer que o trumpismo não acabou com a derrota de Trump nos EUA).
Com o declínio de Donald Trump e os claros sinais emitidos contra o radicalismo nas eleições municipais brasileiras, o enfraquecimento do bolsonarismo e de tudo o que ele representa é uma constatação irrefutável. Não se pode, entretanto, subestimar o presidente que, em alguma medida, conseguiu “dialogar” e convencer o eleitorado brasileiro em 2018, ainda que se valendo de métodos nada convencionais e fortemente incivilizados – a máquina “eficiente” que gerou e disseminou milhões fatos distorcidos e incitou o radicalismo ainda está no poder.
Conta a favor de Bolsonaro, ainda, o fato de que não há, hoje, um nome que seja capaz de unificar nem a esquerda, nem a centro-direita. “O tempo urge e a Sapucaí é grande”, relembra o velho bordão dos sambistas cariocas, atentando-se para o fato de que para atravessar a arena do samba é preciso ter ritmo e “correr contra o tempo”. Para esta analogia, o tempo conta a favor do presidente capitão. Para vencê-lo daqui a dois anos, será necessária uma dificultosa união em torno de uma frente antibolsonarista. A sexta constatação destas eleições se resume em uma frase: Bolsonaro perdeu a batalha, o bolsonarismo está em declínio, mas a guerra ainda não acabou.
Itaguara e região
Passemos agora a uma breve análise em nível regional. Itaguara possui uma evidente tradição em reeleger seus prefeitos. Desde 1997, quando foi aprovado o instituto da reeleição no Brasil, todos os chefes do Executivo local que se recandidataram, venceram as eleições. Foi assim com Bira, em 2004, comigo, em 2012, e com Donizete Chumbinho (PSDB) em 2020. O único prefeito não reeleito foi Rui Lara, que poderia ter sido candidato em 2000, mas optou por não se recandidatar.
Chama a atenção no pleito de 2020, em Itaguara, a expressiva votação obtida pelo atual prefeito. Muitos podem argumentar que não houve disputa contra um adversário competitivo (de fato, a comparar com as eleições de 2000, 2008 e 2012 isso é um fato), mas essa argumentação se fragiliza, uma vez que o comparecimento às urnas foi maciço , mesmo diante da pandemia. Ou seja, os itaguarenses saíram de casa, neste ano, para votar maciçamente em Chumbinho, que alcançou uma vitória absolutamente maiúscula.
Em meus cálculos, Chumbinho foi o segundo prefeito mais votado de todo o estado de Minas Gerais, com 91,62% dos votos válidos (10,40% votaram nulo, 8,38% votaram em Bruno Cartier e 6,39% votaram branco), perdendo apenas para o prefeito de Serra do Salitre, na região do Alto Paranaíba, que alcançou 92,26% dos votos válidos de sua cidade, contra 7,74% de seu único adversário.
Na cidade de Piracema, por outro lado, a tradição consiste em não reeleger prefeitos. No município vizinho, o ex-prefeito, Adílson Greco, perdeu as reeleições de 2008 e de 2016. O ex-prefeito piracemente, Cássio Melo, por sua vez, foi derrotado ao tentar a reeleição em 2012 e o atual prefeito, Antônio Osmar (PSDB), perdeu a reeleição em 2020.
Outro município que faz divisa com Itaguara e que chama a atenção nestas eleições é Carmo do Cajuru. Pela primeira vez na história, o município teve candidato único, o atual prefeito, Edson Vilela (PSB), que conseguiu a reeleição com 9.427 votos. A abstenção foi de 20,41% (3.692 eleitores). Dos 79,59% que foram votar, 34,51% anularam ou votaram em branco e 65,48% escolheram o prefeito reeleito.
A sub-representação é uma grave disfuncionalidade de nossa democracia refletida em nossa região: mulheres e negros são a maioria da população brasileira, mas a minoria na política. Seguindo a tendência nacional, ainda é muito baixa a representatividade política feminina em nossa região. Registre-se que, dentre as cidades limítrofes de Itaguara, foram eleitas apenas seis vereadoras: Jaqueline, em Carmópolis de Minas, Débora, em Carmo do Cajuru, Adriana e Rose, em Itatiaiuçu, Luzia e Carol em Rio Manso. Itaguara, Crucilândia, Cláudio e Piracema não elegeram nenhuma mulher para o parlamento municipal. Nosso índice regional é abaixo de 10% de mulheres no legislativo, considerando as 74 vagas nas câmaras municipais das oito cidades. Dentre os 16 prefeitos e vices eleitos, apenas uma é mulher: Aline Bruna Greco, vice-prefeita eleita de Piracema.
Dentre os mais de 5,4 mil prefeitos eleitos, cerca de 1,7 mil se declararam pretos ou pardos, o que corresponde a 32% do total. O número é superior a 2016, quando 29% dos candidatos eleitos eram negros, ainda assim, a proporção é distante dos 56% que esse grupo representa na população brasileira. Nenhum dos oito prefeitos e vices das cidades citadas se declarou preto ou pardo e a minoria dos vereadores também se identificou dessa maneira. Há cidades da nossa região que não elegeram sequer um vereador preto ou pardo. Vale mencionar Itaguara que, se não possui nenhuma mulher no parlamento municipal, ao menos elegeu 4 vereadores pretos ou pardos.
Por fim, entremeio análises circunspectas, faz bem trazer uma curiosidade: o prefeito mais velho brasileiro é um mineiro. Aos 95 anos, José Braz (PP) comandará a prefeitura de Muriaé, na Zona da Mata, a partir de janeiro. Quando fui eleito prefeito, em 2008, um dos mais jovens do país, José Braz, naquela mesma eleição, foi reeleito prefeito de Muriaé e já figurava como um dos mais idosos do Brasil. Inclusive, ambos concedemos entrevistas para o programa MGTV, da Rede Globo, naquela oportunidade, falando sobre os desafios de administrar nossas cidades. Como vencer as eleições, o nonagenário José Braz não conta, mas o segredo da longevidade ele revela: "A idade não me pesa, graças a Deus! Tenho muita saúde, muita determinação. Bebo muito pouco, nunca fumei, como bem pouco e só como coisas boas para a saúde. Meu pai e minha mãe viveram muito, minha mãe viveu 105 anos”.
É isso.
* Alisson Diego Batista Moraes, advogado, bacharel em Filosofia (UFMG), MBA em Gestão de Empresas pela FGV, mestrando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Foi prefeito de Itaguara-MG entre 2009 e 2016 e vereador entre 2005 e 2008. // Artigo publicado na edição de dezembro de 2020 no Jornal Cidades, editado em Itaguara/MG.