sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Reflexões necessárias: quatro anos depois

Posse como prefeito de Itaguara-MG, em janeiro de 2009,
aos 23 anos de idade. O mais jovem prefeito da esquerda brasileira
naquela ocasião e um dos 10 prefeitos mais jovens do Brasil.


Ainda hoje, algumas pessoas indagam-me sobre as razões que me fizeram desfiliar do Partido dos Trabalhadores, conjecturando se houve mágoas, dissensos ou rancores. Passados mais de quatro anos desde o meu desligamento da legenda, acredito que já é hora de falar sobre o assunto, o qual, para mim, jamais foi considerado tabu. 

Quem acompanhou de perto a minha vida pública sabe que sempre manifestei discordâncias em relação à direção nacional do Partido dos Trabalhadores que, em vez de estabelecer punições exemplares aos filiados e mandatários comprovadamente envolvidos em casos de corrupção (com a expulsão sumária nas situações mais graves), optou pelo caminho da autopreservação de seus quadros, o que gerou, gradualmente, a rejeição da ampla maioria da população brasileira e fortaleceu o moralismo verborrágico patrocinado oportunisticamente pela autoproclamada  “nova direita”. 

Com a reeleição da ex-presidenta Dilma Rousseff (a qual apoiei dedicadamente em 2014) e o agravamento da crise econômica, política e social, as contradições, antes submersas diante dos êxitos das políticas públicas e econômicas, emergiram notoriamente. O fato era que, naquele momento, em fins de 2014 e início de 2015, o Brasil estava diante de dois polos assombrosos. De um lado, veio à tona o estelionato eleitoral patrocinado por Dilma (tampando o sol com a peneira sobre a real situação econômica do país, escondendo a crise ao passo que optava por uma mambembe ortodoxia econômica). De outro lado, estava o golpismo de Aécio, que passou a conspirar contra a democracia desde o dia em que sua derrota foi selada nas urnas. 

Diante desse impasse tártaro, minha angústia chegou aos níveis mais elevados possíveis e apenas não tomei a decisão de deixar o PT logo após os primeiros descaminhos de Dilma no segundo governo, por absoluto respeito e lealdade aos companheiros e companheiras do PT de Itaguara e pela sordidez e velhacaria que compunham as forças antidilmistas. 

Rememoro ainda que, apesar de o segundo governo Dilma ter sido acentuadamente frustrante, como prefeito à época e como liderança do partido, manifestei-me abertamente contra o impeachment, uma vez que inexistia crime que o justificasse e como bem lembrara o Ciro Gomes: “Impeachment não pode ser remédio contra governo ruim”. 

Aquela seria uma boa hora de o PT fazer uma autocrítica e se dirigir ao povo brasileiro com transparência e humildade, propondo uma mudança estrutural, tanto do partido quanto do sistema político perverso que engendrou o presidencialismo de coalização nas últimas décadas (o presidencialismo de coalização foi capaz de trazer conquistas importantes para a sociedade brasileira - controle inflacionário e diminuição da desigualdade social, mas o modelo se esgotou com o loteamento de cargos, o fisiologismo reinante e a corrupção como consequência sistêmica). Dilma e o PT, entretanto, prefeririam se entrincheirar e nada de novo foi proposto. Infelizmente. 

Muitos correligionários, naquele momento e ainda hoje, advogavam a tese segundo a qual o PT teria sido apenas vítima de um consórcio nefasto da elite brasileira e que o Poder Judiciário foi o protagonista de uma união com setores políticos com o único objetivo de encarcerar Lula e perseguir o PT. Nunca concordei integralmente com essa tese e o puro vitimismo de ocasião, aliado ao messianismo lulista implodiram as minhas esperanças em vislumbrar uma reforma sistêmica do partido no qual iniciei minha militância ainda na adolescência. 

Se, por um lado, pode-se afirmar a existência, em algum grau, de lawfare (uso do sistema jurídico como parte de uma estratégia contra adversários — o que está claro com a Vaza-Jato, graças ao trabalho jornalístico investigativo do The Intercept), por outro, não se pode admitir que todos os escândalos e processos possam ser enquadrados como práticas de lawfare. Aconteceram desvios graves que ensejariam uma autocrítica sincera e um pedido de desculpas ao povo brasileiro para, a partir daí, iniciar uma reconstrução partidária com bases éticas e participativas. Bases que, no início do partido, fizeram com que intelectuais respeitados como Paulo Freire, Maria Victória Benevides, Paul Singer, Marilena Chaui, Frei Betto, Sandra Starling, Francisco de Oliveira, Francisco Weffort, Plínio de Arruda Sampaio e Florestan Fernandes estivessem ao lado de trabalhadores, membros da Igreja Católica, sindicalistas, representantes de inúmeros movimentos sociais, setores progressistas e tantos outros setores esquecidos e/ou marginalizados, para a criação de um histórico movimento de inclusão e integração da sociedade brasileira. 

Ao cenário distópico e desesperançado dos anos de 2014/2015, somou-se um fato importante: como estava encerrando o mandato como prefeito, fui aconselhado a não manter filiação partidária por um tempo, uma vez que haveria a possibilidade de que eu trabalhasse com agentes públicos dos mais variados partidos na instituição financeira à qual sou vinculado. Após deliberações com o banco, optou-se por realizarmos uma cessão funcional a um ente público. Assim, assumi, em janeiro de 2017, a direção-geral do SAAE Itaúna, uma das 20 maiores autarquias municipais de saneamento básico de Minas Gerais - como se tratava de uma função eminentemente técnica, não caberia também filiação partidária, ao menos naquele momento. 

Após a derrota da legenda em Itaguara nas eleições de 2016, fui acusado de ter “boicotado o partido” naquele processo eleitoral (o que teria incitado, inclusive, um suposto processo disciplinar). Isso não é verdade! É descabido se falar em boicote. A grande questão era que eu, enquanto prefeito reeleito, tinha uma cidade para governar num ano terrivelmente problemático e afetado pela crise econômica com quedas recordes de arrecadação municipal. Diante deste cenário, não haveria condições de me envolver satisfatoriamente no processo eleitoral e meu objetivo precípuo era encerrar bem a gestão que se iniciara em 2009. E encerramos muito bem, afinal, com mais de 80% de aprovação por parte da comunidade itaguarense, com dinheiro em caixa e a prefeitura saneada. Quanto a essas injustas acusações de “boicote”, jamais contra-ataquei. Ao contrário, ponderei, pois entendi ser algo do “calor do momento” e, de coração, relevei em nome de uma longa e bela história que selou primorosas amizades, acima de quaisquer discordâncias ou distintas visões de mundo. 

É importante dizer de maneira inequívoca que a história do Partido dos Trabalhadores em Itaguara é profícua, com relevantes serviços prestados à comunidade itaguarense. Quando se fala do PT de Itaguara (deixando de lado as questões nacionais), fala-se, majoritariamente, de gente de bem, que sempre se envolveu com as questões comunitárias por genuíno senso de responsabilidade ético-social. Assim é quando se mencionam estes nomes: Hércules, Edileno, Marcilene e família Vilaça, José Geraldo, Gislande e família, Anésio, Geraldo Manoelino (o Bal), José Antônio de Castro, Camilo Leão, Nilo e Nilo Jr, Bete, Renaldo, Dalva e família, Maria Antônia, Tácio e família, José Maurício e família, Pedro Cássio, Madalena, Maria Rita, Elton Borges, Bruno, Gegê, Sônia Gonçalves, Jesus Moura, Glauco Ramos, Donizete Moura, Totonho e José Penido (os dois últimos in memorian) e pessoas que deixaram o partido, mas que registraram as suas contribuições na construção do projeto coletivo como o professor Cassinho, o Anderson Sansão, o Pedro Ribeiro, o Oliveiros Vilela, a Fabiana, a Karla, a Ceci Maria, a Sandra Freitas, o Marcelo, o Geovanni, dentre outros valorosos quadros (peço perdão a quem me esqueci de mencionar - este artigo foi escrito num átimo de inspiração, entremeio aulas do mestrado e conferência de artigos, e, fatalmente, de alguém devo ter esquecido). 

Por fim, rememoro as lições de vida e de governança do ex-presidente uruguaio e agora ex-senador, José “Pepe” Mujica, que acaba de se retirar da vida pública, após décadas de trabalho coletivo. Aos políticos brasileiros, sobretudo aos “lá de cima”, têm faltado a grandeza, a sabedoria e a humildade de Mujica, que passou de combatente tupamaro a um dos maiores estadistas de nosso tempo, referência democrática e líder da nação uruguaia na construção de um estado de bem-estar social, sem abrir mão da conciliação nacional. 

Pepe, mesmo quando era o líder de sua nação, jamais cedeu ao espírito perdulário, à ganância e às fatuidades do poder. Sempre viveu na simplicidade de sua gente, nunca se apegou às benesses da vida pública e fez de sua existência o retrato fiel de suas convicções. Sorte dos uruguaios. Mujica deixa um legado imensurável na política! Em sua última manifestação no Senado uruguaio, ele disse: “No meu jardim, há décadas não cultivo o ódio. Aprendi uma dura lição que a vida me impôs. O ódio acaba deixando as pessoas estúpidas. Passei por tudo nessa vida, fiquei seis meses atado por um arame, com as mãos nas costas, fiquei dois anos sem ser levado para tomar banho e tive que me banhar com um copo. Já passei por tudo, mas não tenho ódio de ninguém e quero dizer aos jovens que triunfar na vida não é ganhar, mas sim se levantar toda vez que cair.” Que aprendamos a nos levantar, sempre! E que miremos no exemplo pacificador e solidário de Pepe.


* Alisson Diego Batista Moraes.

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