terça-feira, 24 de agosto de 2021

Homenagem à Maria Geralda Costa

A seguir, compartilho texto escrito para um livro organizado pela presidente da Casa de Dona Dorica, Maria Luiza da Silveira, e pelo bispo da Diocese de Oliveira-MG, Dom Miguel Ângelo Freitas Ribeiro, em homenagem à educadora itaguarense Maria Geralda Costa.


O maior legado é a inspiração *


Lançamento de O Tempo e as Estrelas em 2014

Era um friorento anoitecer de um sábado julino em Itaguara. O ano era 2001 e, naquela época, acontecia o I Festival de Inverno. Aos 16 anos de idade, eu atuava, como membro do Grupo Municipal de Teatro Vidas em Artes, em uma peça teatral que retratava aspectos pitorescos da vida de João Guimarães Rosa em Itaguara. A autora do roteiro era justamente Maria Geralda Costa.    O local escolhido para a encenação não havia sido o mais adequado: uma tenda simples e sem fechamentos laterais, instalada na parte de cima da Praça da Matriz. Além de a acústica não favorecer, havia uma competição sonora entre nossas vozes e os múltiplos ruídos dos bares.

Por essa razão, tivemos, todos os participantes daquela peça, de aumentar consideravelmente o nosso tom de voz, de modo que precisávamos quase gritar para que fôssemos ouvidos pelo público. Por força do destino ou forçada coincidência, a personagem que eu interpretava era o meu bisavô, João Batista da Silveira, que havia sido amigo e paciente do jovem Doutor Rosa nos anos 30. Um homem de poucas e assertivas palavras, um contemplador de silêncios – assim o conheci, uma paradoxal imagem da interpretação que eu imprimi ao personagem naquele sábado. 

Dona Maria Geralda Costa, que estava assistindo àquela apresentação, não gostou nada do que testemunhou e teceu críticas veementes, tanto ao corpo de atores quanto à prefeitura. Lembro bem de suas palavras: “O seu bisavô jamais esbravejaria como você nesta peça. Era um homem que falava baixo e educadamente. Vocês todos estão mais para uma banda de rock do que para um grupo de teatro. Deveriam refazer essa apresentação.

Alguns reclamaram do tom da crítica, mas eu a levei como uma observação construtiva. O prefeito Bira e a secretária de Cultura, Terezinha Mary, ouviram também as críticas e interpretaram-nas como uma necessária correção de rota daquele festival. Eventos teatrais não poderiam, de fato, rivalizar com bares e precisariam de local e horários mais apropriados.

A peça foi reapresentada dias depois, no Salão Paroquial, ainda dentro das programações daquele pioneiro festival. Ao fim da reapresentação, as palavras de Dona Maria foram: “Agora ficou ótimo. Atores calmos e falas serenas. Vocês retrataram muito bem as personagens e o tempo histórico. Honraram a alma de Guimarães Rosa, João Batista, Pedro Silva, Antônio Moraes e os demais personagens. Estou muito orgulhosa de vocês. Eu sei ser crítica, mas também sei ser elogiosa”.

Havia muitas maneiras de homenagear a Maria Geralda Costa, mas quis contar essa história porque ilustra muito bem a personalidade forte ladeada pela generosidade compreensiva que ela possuía. Jamais elogiava por elogiar, mas jamais deixava um elogio sincero passar. Era mulher de fé, de caráter sóbrio, de alma rara, de coração puro e de posições firmes. Sobre sua fé cristã, Maria Geralda jamais a desvencilhou de sua existência. Sua atuação comunitária é, até hoje, um inequívoco exemplo para toda a Diocese de Oliveira. Lembro-me de encontrar com ela, já octogenária, algumas vezes, aguardando o ônibus para Oliveira, a fim de conversar com o Dom Miguel assuntos referentes à Pastoral da Criança. Do mesmo modo, participei, ao lado dela e de Maria Luiza, de dezenas de reuniões e celebrações na Casa de Dona Dorica. Onde houvesse um bom projeto filantrópico e humanista, lá estava Dona Maria Geralda Costa.

Dos tempos em que fui vereador e prefeito, guardo ainda muitas recordações de Dona Maria, como quando me presenteou com um livro: A Doutrina Social da Igreja; o regalo veio acompanhado de uma longa conversa a respeito dos descaminhos políticos de nosso tempo e do individualismo que corroía as relações sociais e dinamitava o sentimento de comunidade. Diagnósticos feitos, compartilhávamos de uma mesma certeza: apesar de tudo, não poderia haver espaço para o pessimismo. Construir uma cidade e um mundo melhores dependiam de nossa ação na Terra e era isso o que deveríamos fazer até o fim de nossos dias. Foi exatamente isso o que ela fez.

Maria Geralda Costa deixou o maior legado que se pode deixar neste planeta: a inspiração.


* Alisson Diego Batista Moraes