quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

AMIG lança reedição de livro sobre história da mineração em Itabira


Alisson Diego com a obra de Clodoveu
Oliveira em Itabira - 01/12/22 

A Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG), lançou nesta quinta-feira (01/12), uma edição fac-símile do livro “A concessão Itabira Iron - A origem da Vale e os primórdios da indústria da mineração no Brasil”. A obra foi publicada originalmente em novembro de 1934 pelo mineralogista Clodomiro Augusto de Oliveira, professor e diretor da Escola de Minas de Ouro Preto no biênio 1930/31 e traz um relato sobre a exploração do minério de ferro nas ricas jazidas de Itabira, situada na região Central de Minas Gerais. O lançamento aconteceu na Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (Av. Carlos Drummond de Andrade, 666 - Centro, Itabira).

A cidade de Carlos Drummond de Andrade, com cerca de 121 mil habitantes, vive há 80 anos a dependência econômica da atividade minerária. Sua história e desenvolvimento praticamente se confundem com a da exploração mineral, cujo fim, segundo previsões da Vale, será em 2031. “Itabira tem sido, mais uma vez, um laboratório para a mineração de Minas Gerais e do Brasil, já que a cidade vê o fim da exploração mineral cada vez mais próximo. E, por isso, a construção de uma almejada independência financeira se faz importante e urgente.” A diversificação econômica deve ser perseguida todos os dias, como saúde e educação”, diz o consultor de Relações Institucionais e Econômicas da entidade, Waldir Salvador.

Segundo o prefeito de Itabira, Marco Antônio Lage, a dependência econômica da mineração é o maior problema que o município tem a resolver. “Era assim há décadas e continua hoje. Pelo menos 80% do orçamento de Itabira é proveniente de receitas da mineração. Seja da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), que chegou a 30% da receita total em 2021, ou das demais fontes diretamente impactadas pela atividade, como o ICMS e o ISS. Isso sem falar, claro, do quanto as atividades econômicas do município estão atreladas à mineração: comércio, indústria e outras. Temos um cenário de inegável dependência”, pontua.

Alisson Diego, atualmente secretario municipal de Fazenda de Nova Lima, esteve no evento representando o prefeito nova-limense, João Marcelo Dieguez. Diego destacou que Nova Lima é uma das principais cidades mineiras que também dependem economicamente da exploração mineral. "É uma honra voltar a Itabira, cidade onde tive a oportunidade de auxiliar na gestão do prefeito Marco Antônio Lage como assessor de projetos e chefe de Gabinete. A reedição desta obra histórica do professor Clodoveu nos alerta, mais uma vez, para a nossa tarefa histórica: diversificar a economia das cidades mineradoras e construir ativos que perpassam a educação, a cultura e a proteção ambiental, afinal de contas como bem lembrou o presidente da República mineiro Arthur Bernardes: 'o minério não dá duas safras'. Esse tesouro de safra única não pode ser utilizado apenas em seu contexto exploratório de maneira desordenada e sem estratégia. Tem que deixar um legado para as cidades mineradoras e para o nosso país. Tenho convicção de que o novo governo federal vai se atentar a isso", pontuou Diego.


Prefeito Marco Antônio Lage, Alisson Diego,
Maurício Mendes e Dulce Citi na FCCDA. 01/12/22

*Com informações e textos da Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Itabira

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Desfazendo mitos: Bolsonaro inventou a direita no Brasil?

Alisson Diego *

Passadas as eleições, a euforia pós-vitória daqueles que votaram 13 e o desconsolo da derrota dos que apertaram 22, é chegada a hora de fazermos uma reflexão, afinal, como nos ensinou o ateniense, Sócrates, há mais de 2 mil anos: “Uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida”. 

A reflexão individual deve ficar por conta de cada um. Aqui, farei uma reflexão coletiva, mirando a nossa sociedade a partir de questionamentos que viralizaram durante o processo eleitoral.

Foto panorâmica do Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo
 brasileiro. / Créditos: Francisco Domingos, 2018 - Pixabei.

Hoje, darei início a uma série de artigos para tratar de alguns “mitos” que se espalharam de maneira dramática nestas eleições. Assustei-me tanto com tudo que vi, ouvi e li neste período eleitoral que decidi escrever sobre questões que podem ser consideradas triviais. Mas em tempos estranhos, dizer o trivial é uma necessidade improrrogável. Vamos lá! Comecemos com esta pergunta: 


  • O Brasil sempre foi de esquerda e Bolsonaro foi o único presidente de direita da história do nosso país?


Essa é uma questão muito fácil de responder, mas que confundiu muita gente durante essas eleições. A resposta é não. Bolsonaro não é o único presidente de direita na história deste país. Ao contrário, a direita dirigiu majoritariamente a política brasileira. 

Façamos uma análise sobre os governos e períodos históricos brasileiros avaliando as orientações ideológicas de cada um. Serei breve, mas abordarei os aspectos que considero mais importantes. 

De 1889 até 1894, o país esteve sob o comando dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, num período conhecido como República da Espada. Estes anos estão inseridos no que se convencionou denominar “Primeira República”, que se estende até 1930. De 1894 a 1930, portanto, a nação foi liderada por conchavos oligárquicos sob a batuta da Política do Café com Leite. Onze presidentes governaram a nação nessas 3 décadas e meia (de Prudente de Morais até Washington Luís). Os três conceitos que retratam esse período são: mandonismo, clientelismo e coronelismo. Domínio claríssimo da direita. 

De 1930 a 1945, período denominado de Era Vargas pelos historiadores, o gaúcho Getúlio Dornelles Vargas governou a nação. O líder sulista teve 2 momentos distintos na presidência: um ditatorial e outro democrático (1951-1954). Em ambos, ele nunca se considerou “esquerdista”. Pelo contrário, Getúlio colocou na ilegalidade o único partido de esquerda do país naquela ocasião: o PCB. Em que pese isso, atualmente muitos pesquisadores (também intelectuais e políticos do campo progressista) reconhecem o legado nacionalista, trabalhista e modernizador de Vargas como essencial para romper com as oligarquias e com o coronelismo brasileiros, além dos inegáveis avanços sociais. O governo Vargas definitivamente não pode ser caracterizado como de esquerda.

Eurico Gaspar Dutra sucedeu Vargas e deu início ao período histórico intitulado “Quarta República” (1945-1964). Era militar e jamais pode ser considerado de esquerda. Inclusive, determinou a cassação dos mandatos dos parlamentares do PCB. Posteriormente, abandonou o partido pelo qual presidiu a república, o PSD (partido que tampouco pode ser considerado de esquerda), para se filiar à Arena (agremiação de apoio ao regime militar). Vargas voltou ao poder, democraticamente, em 1950 pelo movimento trabalhista que, como dito anteriormente, pode até possuir um olhar generoso  por parte da esquerda contemporânea, mas isso não faz dele necessariamente um “esquerdista”. Mais uma vez, houve, então, um domínio da direita no período mencionado. 

Juscelino Kubitschek também pertencia ao PSD e sucedeu Vargas após seu dramático suicídio. JK, cuja habilidade política é até hoje reverenciada, governou entre 1955 e 1960, conseguiu fazer um mandato unionista, essencialmente democrático, com quadros políticos e técnicos à esquerda e à direita (Celso Furtado e Roberto Campos  trabalharam lado a lado). JK é retratado pelos historiadores como um típico político centrista. E é bom lembrar: em 1964, como senador pelo estado de Goiás, JK votou a favor da deposição do presidente João Goulart (PTB), o que deu início ao governo ilegítimo de Castelo Branco e o decorrente regime militar. Na era JK, houve  um domínio do centrismo, portanto. 

Jânio Quadros, governador de SP, cumprimenta o presidente JK em 1958.
Dois anos depois, o presidente passaria a faixa presidencial ao governador -
Créditos: Domício Pinheiro / Estadão.

https://fotos.estadao.com.br/fotos/acervo,janio-quadros-e-juscelino-kubitschek,608378

Jânio Quadros foi o sucessor de JK. Era de uma aliança que incluía a UDN, partido que representava a mais típica direita brasileira naquele período. Após a sua renúncia tragicômica, assumiu João Goulart, do PTB, que pretendia realizar as reformas de base, dentro do capitalismo brasileiro, sob inspiração do nacional desenvolvimentismo, com o apoio da burguesia nacional. Talvez ele até possa ser considerado “de esquerda” (embora eu pense que se trata de anacronismo), até porque recebeu certo apoio do PCB à época, mas frise-se: Goulart nunca flertou com a “revolução” ou com o  “comunismo”. O escritor Juremar Machado da Silva, autor de dois livros sobre Jango, retratou muito bem aqueles tempos: “Procurei freneticamente algum indício de que havia uma ameaça comunista real rondando o país. Não encontrei. Busquei com a mesma obsessão alguma evidência de que o presidente João Goulart tinha pendores comunistas. Não achei. Jango nunca foi comunista. Não pretendia implantar o comunismo no Brasil. Queria fazer as reformas capazes de alavancar o capitalismo numa economia atrasada.”

Após Jango, veio a ditadura (1964-1985). Os presidentes foram: Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo. Eram militares muito diferentes de muitos daqueles que, há pouco, apoiaram o bolsonarismo. Sustentaram uma ditadura condenável, inegavelmente, mas não se pode taxá-los de entreguistas ou neoliberais como os chilenos comandados por Augusto Pinochet. Amplo domínio da direita, uma vez mais. 

Em 1985, houve a retomada da democracia (inaugurando o período que vivemos até hoje, denominado Nova República), com a ascensão e morte de Tancredo Neves, e o consequente advento do vice-presidente, José Sarney, assumindo o comando da nação. Nem o mais enviesado analista poderia descrevê-lo como progressista. Há até quem demarque a era Sarney como o despertar do neoliberalismo brasileiro e do desmonte das políticas sociais. Embora a Constituição Federal tenha nascido neste período, o próprio presidente teceu várias críticas ao teor social da nova Carta Magna. 

O governo Collor, por sua vez, dispensa comentários. Foi a direita da direita. Itamar Franco, ao sucedê-lo após os escândalos de corrupção, era, ao estilo JK, um centrista convicto. O ministro da Fazenda de Itamar, após o grande sucesso do Plano Real, tornou-se presidente: FHC era um dos mais respeitados intelectuais de seu tempo. Possuía, de fato, origens acadêmicas progressistas, mas, alçado à presidência, compôs com o PFL, maior expressão da direita brasileira na ocasião (partido do vice-presidente, Marco Maciel) e herdeiro do espólio direitista da UDN e da Arena.  Oito anos (1994-2002) de domínio da centro-direita, uma vez mais. 

Após esse fio histórico presidencial, resta claro que não houve de 1889 até 2002, nenhum presidente efetivamente de esquerda neste país, à exceção de Jango, mas com muitas reservas. Em 2002, aí sim, Lula inaugura um inédito governo de centro-esquerda, frise-se: centro-esquerda. A composição com o senador José Alencar, representante do empresariado mineiro, trouxe a união do capital com o trabalho, garantindo governabilidade e apoio do mercado ao novo governo. Após Lula (2003-2010), o governo Dilma (2011-2015) também é considerado de centro-esquerda, embora tenha emitido sinais econômicos ambíguos (todavia, um governo não deve ser qualificado como de direita ou de esquerda apenas pelo viés das políticas econômicas).

Com Michel Temer e sua concertação de centro-direita que promoveu o golpe parlamentar, o Brasil assistiu ao fim do diminuto período de centro-esquerda que vigeu  no país entre 2003 e 2015. Sob Bolsonaro (2019-2022), o país assistiu a um cenário absolutamente inaudito. Não se tratou da “volta da direita”, mas da reafirmação de uma “nova direita” em sintonia com um movimento internacional, cujos maiores expoentes foram Donald Trump (EUA), Rodrigo Duterte (Filipinas) e Viktor Orbán (Hungria). Uma direita que os estudiosos qualificam como extrema, radical, ultranacionalista, valendo-se de teorias conspiratórias e disseminação de fake news

A conta, portanto, é muito fácil: em 133 anos de república (38 presidentes), foram ao menos 112 anos de governos de direita ou centro-direita (34 presidentes). Isso numa conta generosa porque estou considerando JK e Jango como governos de “centro-esquerda”. A direita, como se nota, dominou o nosso país em 85% da história republicana. Se desconsideramos JK e Jango,  a direita governou este país em 90% do tempo. 90%!!! 

Por tudo isso, fiquei perplexo e escandalizado quando ouvi, durante a eleição, frases do tipo: “a direita agora nasceu no Brasil”. Atribuem esse “nascimento” a Bolsonaro. Uma frase absurda dita por gente ignorante ou ingênua. Invertendo a pergunta que inspirou este artigo, o que se pode dizer é: a esquerda nunca governou este país, até a ascensão de Lula. Ele e Dilma foram os únicos presidentes efetivamente de esquerda da história deste país (e sequer fizerem governos esquerdistas, mas de centro-esquerda com amplas coalizões partidárias, incluindo partidos de centro-direita). 

O que Bolsonaro deu origem é à denominada “ultradireita” ou “extrema-direita”. Mas isso já é tema para o próximo artigo, porque esse já ficou grande demais. 

Por enquanto, é isso. 

Até a próxima edição! 

PS: Leia, estude, dialogue sem intolerância, informe-se. A realidade está muito além do WhatsApp e das redes sociais.


*Alisson Diego Batista Moraes, 37, advogado, filósofo e professor. Mestre em Ciências Sociais. Foi prefeito de Itaguara-MG entre 2009 e 2016. Atualmente, é secretário de Fazenda de Nova Lima-MG

** Artigo publicado na edição de novembro de 2022 do Jornal Cidades.

segunda-feira, 18 de julho de 2022

Entrevista ao Jornal Cidades

 A seguir, compartilho entrevista concedida ao jornalista Flávio Lara, do Jornal Cidades, edição de agosto de 2022.


Alisson Diego e João Marcelo Dieguez, prefeito de Nova Lima
Créditos: João Victor Moraes. julho de 2022

Alisson Diego assume Secretaria da Fazenda de Nova Lima Nos últimos dias, o ex-prefeito itaguarense, Alisson Diego Batista Moraes, foi anunciado como o novo secretário da Fazenda da Prefeitura de Nova Lima. Após 1 ano e meio em Itabira, onde ocupou os cargos de secretário de Planejamento, assessor de projetos estratégicos e chefe de Gabinete, Diego aceitou o convite do prefeito novalimense, João Marcelo Dieguez, para ocupar a pasta responsável pelas finanças e pelo planejamento orçamentário da cidade que possui o maior PIB per capita do Brasil e o maior IDH de Minas Gerais. Advogado, especialista em Direito Constitucional, pós-graduado em Gestão de Empresas pela FGV, mestre em Ciências Sociais e com larga experiência em diversos cargos públicos, o currículo de Alisson Diego foi destacado no anúncio feito pela Prefeitura de Nova Lima. Ao Jornal Cidades, o ex-prefeito de Itaguara confirmou que assumiu o novo cargo no dia 18 de julho e concedeu uma breve entrevista a este veículo de comunicação. 

JC - Como foi este convite em Nova Lima? 

AD - Já havia recebido algumas sondagens da Prefeitura de Nova Lima há alguns meses, mas as conversas não prosperaram, principalmente porque eu estava em Itabira e precisava concluir o meu trabalho por lá. Logo que consolidamos as entregas em Itabira, recebi um novo convite do prefeito João Marcelo Dieguez e acabei aceitando, após muito refletir e ponderar. O convite coincidiu também com as minhas programações de iniciar o doutorado neste segundo semestre, o que demandaria voltar a morar mais próximo de Belo Horizonte. 

JC - Você já ocupou diversos cargos públicos, mas é a primeira vez que ocupa a secretaria da Fazenda. E assumiu justamente a secretaria da Fazenda da cidade mais rica do Brasil. É um desafio? 

AD - Seguramente, é um grande desafio. Nova Lima, embora possua o maior PIB per capita do país, é uma cidade com muitas carências em diversas áreas como infraestrutura e saúde e possui também desigualdades sociais. Espero contribuir com a cidade na superação de muitas dessas carências, trazendo ainda mais eficiência e humanismo para a gestão pública com o foco em resultados. 

JC - Como foi seu trabalho em Itabira? O Prefeito Marco Antônio Lage aceitou bem a sua saída? 

AD - Desenvolvemos um trabalho inédito em Itabira. Um Plano de Metas prevendo quase 1 bilhão de investimentos em 4 anos. Também trabalhamos no aperfeiçoamento de processos internos sempre visando à uma gestão orientada para resultados, o que traz melhorias para a vida coletiva e para o ambiente de negócios. Sobre o prefeito Marco Antônio, ele é um grande gestor da área privada. Ex-diretor da FIAT, da CEMIG e do Cruzeiro, ele sabe muito da área privada e está imbuído do propósito de fazer uma gestão pública disruptiva em Itabira. Conversamos durante as últimas semanas sobre a minha saída e foi consensual. Eu não conseguiria permanecer mais em Itabira, principalmente por causa das aulas presenciais do doutorado. Então, considero que o meu dever foi cumprido em Itabira. Espero que a gestão municipal agora foque na aceleração das entregas previstas no planejamento que desenvolvemos e possa, assim, melhorar a cidade e a vida das pessoas. 

Alisson Diego toma posse como novo secretário
de Fazenda de Nova Lima. Foto: João Victor Moraes
Secom PMNL


JC - Deixe sua mensagem para os nossos leitores e para Itaguara. 

AD - Muito obrigado ao Jornal Cidades. Deixo o meu afetuoso abraço a todas as itaguarenses e todos os itaguarenses. Nunca me esquecerei que meu berço é Itaguara. Tanto de nascimento quanto de aprendizagens e aplicabilidades de gestão. Portanto, independente de onde eu estiver e de qual cargo eu vier ocupar, é e sempre será Itaguara a minha grande referência. Que Nossa Senhora das Dores abençoe a nossa cidade e o nosso povo. Um afetuoso abraço.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Gratidão, Itabira!

Após 18 meses, chega o momento da partida. Nunca é fácil se despedir, sobretudo após uma experiência tão intensa. Fica a certeza do dever cumprido e da contribuição dada, além da imensa gratidão da vivência proporcionada pela Prefeitura Municipal de Itabira. A seguir, algumas linhas de uma prosa poética de despedida com uma foto do talentoso fotógrafo itabirano Filipe Augusto.


Alisson Diego. Março de 2022. Fotógrafo: Filipe Augusto

Itabira, em minha, é sinônimo de poesia


Versejados dias solares entremeio pandêmicas diuturnidades sôfregas

Itabira é fraternidade

Um florescer de amizades tão imprevisíveis quanto dadivosas

Itabira é pedra que brilha 

Meu coração é sangue que pulsa 

Meu olhar é esperança renovada 

Meu país é um mar de desalegradas expectativas 

E a cidade, a cidade me inspira a caminhar 

Itabira é alma sintonizada em Drummond 

Mineiridade escamoteada em humanidade 

É mar de serras e amores coletivizados 

Pluralidades 

Mineiressências que vencem egos 

Quando a vida, crua, insistir em me desanimar 

É na obra conflitiva e amorosa de Drummond que me refugiarei: 

"Este o nosso destino: amor sem conta, / distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, / doação ilimitada a uma completa ingratidão, / e na concha vazia do amor a procura medrosa, / paciente, de mais e mais amor. / Amar a nossa falta mesma de amor, / e na secura nossa amar a água implícita, / e o beijo tácito, e a sede infinita." (Trecho de Amar, poema de Carlos Drummond de Andrade em Claro Enigma, 1951). 

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Prefeitura de Itabira vence prêmio de melhor gestão entre todas as cidades mineradoras do Brasil

 Gestão de Excelência foi reconhecida pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e pela Oscip Agenda Pública, em parceria com o Ministério de Minas e Energia


Alisson Diego Batista e Marco Antônio Lage. Acervo

A Prefeitura de Itabira venceu a principal categoria do Prêmio Municípios Mineradores: Gestão. A honraria, concedida pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e pela Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) Agenda Pública, em parceria com o Ministério de Minas e Energia, reconheceu o município de Itabira como a melhor gestão dentre mais de 200 municípios mineradores de todo o Brasil.

A premiação entregue nesta terça-feira (07/06/2022), durante cerimônia no Ministério das Minas e Energia Brasília. O chefe de Gabinete e coordenador do Plano de Metas Itabira Agora 2021-2024, Alisson Diego Batista Moraes, acompanhou o prefeito Marco Antônio Lage no evento. 

A honraria foi criado em 2022 com o propósito de mapear, reconhecer e premiar as práticas e projetos de cidades mineradoras e que estão potencializando o aprimoramento da governança pública. 

A honraria foi dividida em oito categorias e selecionou os vencedores entre 200 cidades em todo Brasil que recebem a Compensação Financeira por Exploração de Recursos Minerais (Cfem). Foram 24 práticas finalistas, avaliadas pela Agenda Pública, a partir de um banco de dados com 40 indicadores, comparando o desempenho de 200 municípios com maior presença da mineração em todo o Brasil, com dados de 2019, 2020 e, majoritariamente, 2021. As finalistas também foram validadas pelo comitê de seleção, formado por especialistas em políticas públicas, para chegar às oito premiações, uma para cada categoria de política pública.

O presidente do Ibram, Raul Jungmann, e os ministros de Meio Ambiente, Joaquim Leite, e de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, acompanharam a solenidade.


1) Matéria da Coordenadoria de Comunicação da Prefeitura de Itabira: https://www.itabira.mg.gov.br/detalhe-da-materia/info/itabira-vence-premio-de-melhor-gestao-entre-todas-as-cidades-mineradoras-do-brasil/255539

2) Matéria do Jornal O Tempo: https://www.otempo.com.br/economia/itabira-vence-premio-de-melhor-gestao-entre-cidades-mineradoras-1.2680371

3) Matéria do IBRAM: https://ibram.org.br/noticia/ministros-adolfo-sachsida-e-joaquim-leite-premiam-municipios-mineradores-destaques-em-governanca-publica/

4) Matéria do Jornal Estado de Minas: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2022/06/08/interna_gerais,1371983/itabira-vence-premio-de-melhor-gestao-de-cidade-mineradora-do-brasil.shtml

5) Matéria do Correio Braziliense: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2022/06/5013877-itabira-vence-premio-de-melhor-gestao-de-cidade-mineradora-do-brasil.html


terça-feira, 24 de maio de 2022

Entrevista: De Fato

 A seguir, trechos da matéria do jornal De Fato, em Itabira, acerca do projeto de financiamento para a municipalidade. 

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Chefe de gabinete detalha novo pedido de financiamento da Prefeitura de Itabira 


Alisson Diego / DeFato

Os últimos dias foram movimentados no cenário político itabirano. Isso porque um tema que gerou muitos ruídos no ano passado voltou à pauta local: um novo pedido de empréstimo da Prefeitura de Itabira. Desta vez, o processo financeiro, feito por meio do Financiamento à Infraestrutura e Saneamento (Finisa), envolve valores ainda maiores: R$ 99 milhões. Realizado junto à Caixa Econômica Federal, o Finisa é voltado ao setor público e conta com processos de contratação e prestação de contas ágeis e simplificados. Ele é destinado a municípios, estados e o Distrito Federal.

Um projeto de lei relativo à aprovação do empréstimo já foi enviado à Câmara de Itabira e será analisado nesta segunda-feira (23), em uma reunião extraordinária às 13h. Enquanto a Prefeitura defende que a medida fará com que a cidade avance no investimento em infraestrutura, alguns vereadores argumentam que ela poderia afetar a saúde financeira do município, que atualmente dispõe de um orçamento recorde.


O lado técnico


Chefe de gabinete da Prefeitura de Itabira e um dos principais nomes à frente do processo, Alisson Diego relata, com detalhes, como funciona o trâmite do processo financeiro. “O Finisa é um financiamento junto à Caixa. Você obrigatoriamente tem que fazer uma carta consulta, depois há uma análise de risco, análise técnica, e aí passa pelo compliance da Caixa. Então a Câmara apenas autoriza o início desse processo. Ele também tem que ser submetido ao SADIPEM (Sistema de Análise da Dívida Pública, Operações de Crédito e Garantias da União, Estados e Municípios), um sistema do tesouro nacional que faz uma análise da dívida pública, os riscos e tudo mais. O Finisa já foi contratado por Itabira em 2019, algo em torno de R$ 40 milhões”, explica. Alisson também afirma que os R$ 99 milhões, somados a outros recursos da Prefeitura, fariam com que o município dispusesse de aproximadamente R$ 500 milhões para investimentos em infraestrutura.


“Essa receita de capital está prevista no orçamento. O plano de metas tem uma previsão de implementação de aproximadamente R$ 700 milhões, o que muda muito a realidade de Itabira. Devemos considerar que no orçamento municipal, algo em torno de R$ 1 bilhão, você tem possibilidade de 5% de investimento, ou seja, R$ 50 milhões. Multiplicados por quatro anos, são R$ 200 milhões. O município tem hoje cerca de R$ 200 milhões em caixa. Então se considerarmos R$ 100 milhões de Finisa, R$ 200 milhões da Prefeitura e R$ 200 milhões em caixa, temos R$ 500 milhões. Se aproxima do que a cidade precisa em termos de investimento. Como os juros são subsidiados, a taxa é 128% CDI (certificado de depósito interfinanceiro), um valor muito mais baixo do que qualquer empréstimo de mercado. Então nem chamamos de empréstimo, tratamos como antecipação de receita”, enfatiza ele.


O chefe de gabinete ainda detalha como se daria o pagamento do financiamento. “Tem dois anos de carência, e geralmente são oito, dez anos para o pagamento, mas isso terá que ser analisado na carta consulta. O prazo pode ser antecipado ou relativizado.” 


Dívida controlada 


Em relação a um dos argumentos utilizados por alguns vereadores, quanto à saúde financeira do município, Alisson garante que a situação seria totalmente controlada. Segundo ele, não é possível investir em infraestrutura sem lidar com o endividamento público.

“Tranquilamente (daria pra controlar o empréstimo), é para isso que existe o SADIPEM. Este é o argumento mais fácil de se rebater. Os instrumentos de controle de endividamento público são muito sérios neste país. Por que Juiz de Fora, com um orçamento de R$ 2,7 bilhões, acaba de pedir o Finisa? Foi aprovado por unanimidade na Câmara de Juiz de Fora. Por que Caruaru pediu? Por que o Rio de Janeiro pediu? Por que São Paulo pediu? São municípios com orçamento maior que Itabira e todos pediram. Não se consegue fazer investimentos em infraestrutura se não houver endividamento dentro dos limites legais, isso em todo lugar do planeta terra. Quando a gente trata de endividamento público, significa investimento em infraestrutura. A gente fala em diversificar a economia de Itabira para o turismo, do jeito que está em Carmo e Ipoema? Sem asfaltamento? É questão de colocar em prática um plano de diversificação econômica e preparar a cidade para o futuro que já está aí. Faço a defesa do Finisa com absoluta tranquilidade. Não é uma defesa política, é técnica mesmo”, conclui.


Fonte: https://defatoonline.com.br/chefe-gabinete-detalha-novo-pedido-de-financiamento-da-prefeitura-de-itabira/  em Por: Victor Eduardo |23/05/2022 às 14h58|Atualizada em: 23/05/22 às 19h12





quinta-feira, 5 de maio de 2022

Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de Itabira é apresentado durante audiência pública

Reunião aconteceu nesta quarta-feira (4) no auditório da Prefeitura. A LDO estima uma receita corrente de aproximadamente R$ 780 milhões para 2023


Alisson Diego, Patrícia Guerra e José Luiz

A Prefeitura de Itabira, por meio da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão (Seplag), anunciou nesta quarta-feira (4), a previsão de receita corrente para 2023: o valor total estimado é de R$ 778.356.131,00. A audiência pública para apresentação do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aconteceu no auditório do paço municipal. 

Conduziram a reunião a secretária municipal de Planejamento e Gestão, Patrícia Alves Guerra, o secretário municipal da Fazenda, José Luiz de Lima, e o chefe de Gabinete Alisson Diego Batista Moraes. Também participaram da audiência representantes de entidades, servidores públicos e membros da comunidade itabirana. 

“A LDO é a primeira etapa do planejamento para o próximo ano, é onde estabelecemos as diretrizes orçamentárias que poderá ser revisada na elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA). Essas receitas são estimadas após o fechamento do primeiro trimestre de 2022, observando seu comportamento e projetando para o próximo ano, que são receitas correntes, receitas tributárias, taxas municipais e transferências do Estado e da União. Temos também a expectativa das receitas de capital, que são oriundas de operações de crédito”, explicou Patrícia Guerra. De acordo com Alisson Diego, historicamente, no Brasil, os municípios têm um percentual de investimento de cerca de 3%. Ele explicou que o ano em que Itabira mais investiu, em 2020, foi justamente quando a Prefeitura fez uma operação de crédito com Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento (Finisa). 

“A contratação de uma operação de crédito, como é o Finisa, é essencial para que possamos ultrapassar esse percentual médio e alcancemos um investimento de cerca de 15%. Assim, poderemos executar os projetos estratégicos previstos no plano de metas. Essa administração é muito ousada com relação a isso. Só teremos mudanças estruturais no município quando tivermos investimentos maciços. Esse investimento via Finisa, junto com nossos investimentos próprios, vai garantir um dos maiores percentuais de investimentos da história de Itabira. O Finisa tem projetos estruturantes orientados e bem definidos. Não é investimento ao léu: ele é alinhado aos projetos do plano de metas”, disse Alisson. 

A apresentação da LDO é um processo democrático no qual a comunidade, por meio da transparência do setor público, fica conhecendo as prioridades da gestão para o próximo ano. A população pode enviar sugestões sobre a LDO até a próxima terça-feira (9) pelo e-mail seplag@itabira.mg.gov.br. O documento, após ajustes, será encaminhado para aprovação do Poder Legislativo. Em seguida será sancionado pelo prefeito Marco Antônio Lage.


Matéria da Coordenadoria de Comunicação da Prefeitura de Itabira: https://www.itabira.mg.gov.br/detalhe-da-materia/info/projeto-de-lei-de-diretrizes-orcamentarias-e-apresentado-durante-audiencia-publica/235487

sexta-feira, 1 de abril de 2022

Revisitar o passado e enfrentar nossos fantasmas antidemocráticos

 Compartilho, nesta data emblemática, um potente artigo escrito pelo teólogo Leonardo Boff. O Brasil não se emancipará democraticamente enquanto não expurgar seu veio autoritário, traduzido em um saudosismo pseudo-moralista nefasto:


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1964: golpe de classe com apoio militar

Leonardo Boff     

                

Os militares que deram o golpe em 1964 se imaginam que foram eles os principais protagonistas desta nada gloriosa façanha, atualmente celebrada vergonhosamente sob a presidência de Jair Bolsonaro, famoso defensor do golpe, da tortura e da eliminação de opositores. Na sua indigência analítica, os militares mal suspeitam que foram, na verdade, usados por forças muito maiores do que as deles.


René Armand Dreifuss escreveu sua tese de doutorado na Universidade de Glasgow com o título: 1964: A conquista do Estado, ação política, poder e golpe de classe (Vozes 1981). Trata-se de um livro com 814 páginas das quais 326 de documentos originais. Por estes documentos fica demonstrado: o que houve no Brasil não foi um golpe militar, mas um golpe de classe com uso da força militar.

         

A partir dos anos 60 do século passado, se constituiu o  complexo IPES/IBAD/GLC. Explico: o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES fundado em 29 de novembro de 1961), o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), o Grupo de Levantamento de Conjuntura (GLC) e mais tarde,  oficiais da Escola Superior de Guerra (ESG). Formavam uma rede nacional que disseminava idéias golpistas, composta por grandes empresários nacionais e  multinacionais, banqueiros, órgãos de imprensa, jornalistas, intelectuais, a maioria listados no livro de Dreifuss.


O que os unificava, diz o autor “eram suas relações econômicas multinacionais e associadas, o seu posicionamento anticomunista e a sua ambição de readequar e reformular o Estado”(p.163) para que fosse funcional a seus interesses corporativos. O líder nacional deste grupo era o General Golbery de Couto e Silva que já em “em 1962 preparava um trabalho estratégico sobre  o assalto ao poder”(p.186).

A conspiração pois estava em marcha, há bastante tempo, levada avante, não diretamente pelos militares mas pelo complexo IPES/IBAD/GLC, articulados com a CIA e com a embaixada norte-americana que repassava fundos e acompanhava o desenrolar de todos os fatos.

         

Aproveitando-se a confusão política criada ao redor do Presidente João Goulart, identificado como o portador do projeto comunista, este grupo viu a ocasião apropriada para realizar seu projeto. Chamou os militares para darem o golpe e tomarem de assalto o Estado. Foi, portanto, um golpe da classe dominante, multinacional  e associada à nacional, usando o poder militar.



Alisson Diego e Leonardo Boff em outubro de 2019 em Belo Horizonte


Conclui Dreifuss: “O ocorrido em 31 de março de 1964 não foi um mero golpe militar; foi um movimento civil-militar; o complexo IPES/IBAD e oficiais da ESG organizaram a tomada do poder do aparelho de Estado”(p. 397). Especifica Dreifuss: ”O Estado de 1964 era de fato um Estado classista e, acima de tudo, governado por um bloco de poder”(p. 488). E especificamente afirma: ”A história do bloco de poder multinacional e associados começou a 1º de abril de 1964, quando os novos interesses realmente tornaram-se Estado, readequando o regime e o sistema político e reformulando a economia a serviço de seus objetivos”(p.489).

         

Para sustentar a ditadura por tantos anos criou-se uma forte articulação de empresários, alguns dos quais financiavam a repressão, os principais meios de comunicação (especialmente a FSP, VEJA, O Globo e outros), magistrados e intelectuais anticomunistas declarados, iniciativas populistas entre outros. A Ideologia de Segurança Nacional não era outra coisa que a Ideologia da Segurança do Capital.

         Os militares inteligentes e nacionalista de hoje deveriam dar-se conta de como foram usados não contra uma presumida causa – o combate ao perigo comunista – mas a serviço do capital nacional e multinacional que estabeleceu relações de alta exploração e de grande acumulação para as elites oligárquicas, as “elites do atraso”, articuladas com o poder militar.


O golpe não serviu aos interesses nacionais globais, mas aos interesses corporativos de grupos nacionais articulados com os internacionais sob a égide do poder ditatorial dos militares. Hoje não é diferente: depois do golpe de 2016 com a cassação do mandato da Presidenta legitimamente eleita, Dilma Rousseff, a criação da Lava Jato, a prisão sem crime explícito de Lula e a ascensão de Jair Bolsonaro, de extrema-direita, obedece-se aos mesmos propósitos da “elite do atraso”(a oligarquia endinheirada e rentista, articulada internacionalmente) como o tem detalhado minuciosamente por Jessé Souza (cf.A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato, Estação Brasil 2020).


Importa dizer com todas as palavras que o assalto ao poder foi um crime contra a constituição. Foi rasgar as leis e em seu lugar instaurar o arbítrio. Foi uma ocupação violenta de todos os aparelhos de Estado para, a partir deles, montar uma ordem regida por atos institucionais, pela tirania, pela repressão  e pela violência.


Nada mais dilacerador das relações sociais do que a ruptura do contrato social. É este que permite a todos conviverem com um mínimo de segurança e de paz. Quando este é destruído, no lugar do direito entra o arbítrio e no lugar da segurança vigora o medo. Bastava a suspeita de alguém ser subversivo para ser tratado como tal. Mesmo detidos e sequestrados por engano, mas suspeitos como opositores, como ocorreu com muitos inocentes camponeses, para logo serem submetidos a sevícias e a sessões intermináveis de torturas.


Muitos não resistiram e sua morte equivale a um assassinato. Não devemos deixar passar ao largo, os esquecidos dos esquecidos que foram os 246 camponeses mortos ou desaparecidos entre 1964-1979.


O que os militares cometeram foi um crime lesa-pátria. Alegavam que se tratava de uma guerra civil, um lado querendo impor o comunismo e o outro defendendo a ordem democrática. Esta alegação não se sustenta. O comunismo nunca representou uma ameaça real. Na histeria da guerra-fria (União Soviética/USA) todos os que queriam reformas na perspectiva dos historicamente condenados e ofendidos – as grandes maiorias operárias e camponesas – eram logo acusados de comunistas e de marxistas, mesmo que fossem bispos como Dom Helder Câmara. Contra eles não cabia apenas a vigilância, mas a perseguição, a prisão, o interrogatório aviltante, o pau-de-arara feroz, os afogamentos desesperadores.


Os alegados “suicídios”, como do jornalista Vladimir Herzog,  camuflavam apenas o puro e simples assassinato. Em nome de combater o perigo comunista, assumiram a lógica comunista-estalinista da brutalização dos detidos. Em alguns casos se incorporou o método nazista de incinerar cadáveres como admitiu o ex-agente do Dops Cláudio Guerra e a única sobrevivente da CASA DA MORTE em Petrópolis, Inês Etienne Romeu, local onde entre 22-40 militantes foram terrivelmente seviciados, assassinados, seus corpos esquartejados e incinerados.


É indigno e imoral celebrar 21 anos de uma ditadura civil-militar, quando conhecemos o horror que significaram aqueles tempos sombrios e de chumbo, justamente num momento trágico em nossa história em que mais de 300 mil brasileiros, de todas as idades, foram ceifados pelo Covid-19 com mais de 12 milhões estão afetados.


Não devemos jamais esquecer a verdade do fato maior da dominação de uma classe viralatista, poderosa, nacional, associada à multinacional, que usou o poder discricionário dos militares para garantir sua acumulação privada à custa da maioria do povo brasileiro. Essa ameaça voltou pelo comportamento ameaçador do atual presidente, insano e indiferente à dizimação de milhares de vidas, se opondo, contra todas as recomendações científicas, ao lockdown e ao isolamento social, continuamente ameaçando com um golpe de estado ou a decretação de estado de sítio. As instâncias competentes que poderiam agir não agem e, inertes, também assistem à tragédia de todo um povo.


Valem as palavras de Ulysses Guimarães, corajoso opositor da ditadura civil-militar e o coordenador da Constituição de 1988: “tenho ódio e nojo da ditadura”, palavras repetidas no 31 de março de 2021 por Miram Leitão, jornalista e analista de economia em O Globo, uma das vítimas da repressão. “Ditadura nunca mais”.


Leonardo Boff é teólogo, filósofo, membro da Iniciativa Internacional da Carta da Terra e escritor.      

domingo, 30 de janeiro de 2022

Vilma Guimarães Rosa: lepidez e luminosidade

Vilma Guimarães e Alisson Diego durante a Semana de Arte e Cultura
do Museu Sagarana em 2014. Acervo Prefeitura de Itaguara


Meu primeiro contato com Vilma Guimarães Rosa aconteceu no segundo semestre de 2009, no primeiro ano de mandato como prefeito de Itaguara, logo após o Ministério da Cultura (mais especificamente, o IPHAN) aprovar o projeto de criação do Museu Sagarana (Musa), no edital "Mais Museus", que tinha como um de seus principais objetivos a ampliação da rede museológica brasileira. Vilma, já haviam me advertido, possuía a fama de geniosa e fui aconselhado a ser esmerado no trato com ela. Um conhecido chegou a me dizer:  "Não entre em contato agora, é muito prematuro, faça isso quando iniciarem as obras do Museu". 

Seria, no mínimo, descortês e pouco ousado se eu não informasse a octogenária filha itaguarense de João Guimarães Rosa sobre as minhas intenções em construir um museu inspirado em Sagarana, obra que possui notável influência da Itaguara dos anos 1930. Com naturalidade, fiz uma ligação que durou cerca de 20 minutos. Ela ficou empolgadíssima e eu mais ainda. Já naquela primeira conversa, marcamos um encontro no Rio de Janeiro.

Alisson Diego e Vilma em 2014. Acervo pessoal.


Desde o início, Vilma se mostrou muitíssimo amável e entusiasmada com o projeto do Musa. A partir daí, desenvolvemos uma belíssima relação de amizade. Entre o segundo semestre de 2009 e abril de 2012, quando o Museu Sagarana foi finalmente inaugurado, foram centenas de ligações, dezenas de cartas, vários cartões-postais (sempre que viajava ao exterior, ela fazia questão de enviar postais aos amigos próximos) e alguns encontros presenciais. 

Inauguração do Museu Sagarana em abril de 2012

Vilma e Peter, seu esposo falecido em agosto de 2021, tornaram-se amigos muito próximos. Não vinham a Minas Gerais sem me avisar. Nunca deixamos de nos encontrar pelo menos uma vez ao ano desde 2009. Cheguei, inclusive, a comemorar um aniversário no Rio de Janeiro com um almoço em Copacabana acompanhado do casal. Entre um gole de vinho branco e um camarão, planejamentos sobre o Musa e demoradas conversas sobre Minas Gerais e as histórias familiares do Doutor João e de Dona Lígia.

Há 22 dias, liguei para Vilma, estava com voz firme e tom vivaz. Chegamos a combinar um almoço na capital fluminense. Marcamos até a data: segunda semana de fevereiro. Mas o destino, traiçoeiro que só, não permitiu que esse encontro acontecesse, não me proporcionou um abraço de despedida. Sônia Márcia, sobrinha de Vilma, ligou-me há pouco para dizer que a luminosa "Vilminha" (como amigos e familiares a chamavam) havia partido após sofrer três paradas cardíacas no hospital onde estava internada. Um baque. Tirou-me a voz, ceifou-me o verbo.

Sou tomado, agora, no calor dessa notícia da passagem de Vilma (ela odiava as palavras morte e falecimento, agradava-lhe a expressão inglesa pass away), por um duplo sentimento: uma tristeza profunda por sua perda, mas ao mesmo tempo uma imensurável gratidão por tê-la conhecido e por ter desfrutado de sua convivência tão amável ao longo desses anos.

A emoção me faz relembrar, neste instante, de um dos encontros inesquecíveis com Vilma Guimarães Rosa e Peter Reeves. Aconteceu em fevereiro de 2012, no Iate Clube do Rio de Janeiro. Marcelo Costa, curador do Museu Sagarana naquela ocasião, e eu estávamos muito ansiosos porque, apesar das amabilidades telefônicas, o contato pessoal sempre traz um quê de surpresa. Era o primeiro almoço. Além do mais, Vilma nutria a fama de ser muito supersticiosa e, se não se sentisse bem com alguma companhia, simplesmente encerrava o colóquio e ia embora, sem cerimônias (exatamente assim diziam as pessoas que alimentam análises de personalidades alheias).

Fomos afortunados. Para a nossa sorte, Vilma se emocionou logo ao me ver e disse, após um abraço apertado, que sentiu a presença do pai em minha face arredondada e adornada pelos óculos meio abaulados. "Embora essas hastes sejam mais finas, o formato do rosto e esses óculos me lembraram muito o papai". Perguntou minha idade, elogiou minha aparência, indagou sobre as mudanças em Itaguara e o gelo estava quebrado. Passamos a tarde inteira no Iate Clube. Aquele dia significou uma aproximação mágica da filha com a sua terra, do passado distante com um presente alvissareiro. Vilma me confidenciou, ao final daquele encontro, que, naquela fase da vida, estava cada vez mais saudosista e tinha a necessidade de se sentir pertencida aos laços originários, se sentir itaguarense "de verdade". Embora já tivesse ido à sua cidade em outras três ocasiões, nas décadas de 70, 80 e 90 respectivamente, Vilma pouco tinha "sentido a sua terra".

Foi na distante Itaguara, ainda distrito de Itaúna, onde Vilma Guimarães Rosa nasceu, em 05 de junho de 1932, sob as copiosas lágrimas do pai - aquelas lágrimas foram o seu primeiro banho, relatara anos depois na obra "Relembramentos: João Guimarães Rosa, meu pai", livro obrigatório para os admiradores do escritor. Naquela calorosa tarde carioca de 2012, com emotividade de sobra, as origens foram relembradas e os laços reatados. Foram horas de uma terníssima conversa que abordou o pai, a mãe (a jovem professora Lígia Cabral Pena nos anos 30), os avós Chiquitinha e Fulô,  que também moraram em Itaguara nos anos 60, o tio-escritor Vicente Guimarães, o tio-médico-prefeito Antônio Geraldo de Oliveira e a tia Isa e, claro, falamos muito das perspectivas para o Musa, um projeto comum que fazia os nossos olhos brilharem.

No fim do almoço, ela ainda me disse que Itaguara possuía uma importância lírica grandiosa na obra do pai e que poucas pessoas ainda tinham se atentado para isso. "Ele se perguntou, várias vezes durante a vida, se deveria mesmo ter saído de Itaguara; pensava que, se tivesse vivido como médico ali, a sua vida literária poderia ter sido ainda mais profícua". Outra revelação de Vilma naquele almoço também me comoveu: "Papai me disse, alguns meses antes de morrer, que queria se aposentar do Itamaraty e se mudar para Itaguara, onde iria construir uma fazendola cercada por muros altos para evitar visitas desagradáveis e se dedicar em paz a escrever e admirar o céu de Itaguara". 

Almoço no Rio de Janeiro em fevereiro de 2012

A amizade e os projetos comuns renderam frutos. Vilma fez várias doações para o Musa e tive a oportunidade de ser anfitrião dela e de Peter algumas vezes em Itaguara. Em abril de 2012, Vilma passou cinco dias na cidade por ocasião da inauguração do Museu Sagarana. Foram dias sublimes de emoções fortes para todos nós, sobretudo para ela. Emocionou-se muito e, durante vários momentos deixava com que as lágrimas rolassem, o que também nos impelia ao choro. Relembrava o tempo das histórias que ouvira sobre quando seus avós moraram na cidade. Apesar de ter se mudado de Itaguara ainda criancinha, Vilma dizia que havia crescido ouvindo casos da cidade.

Possivelmente, uma das maiores emoções vivenciadas por Vilma em Itaguara tenha se dado numa visita à comunidade de Pará dos Vilelas, em abril de 2013, o cenário que inspirou o jovem doutor Guimarães Rosa a escrever Sarapalha, o conto mais triste de Sagarana e, que, segundo consta, o escritor menos gostava. Vilma me contou que, na realidade, o pai gostava sim de Sarapalha, mas o fato de aquela triste história realmente ter acontecido o incomodava bastante. 

Pará dos Vilelas em abril de 2013

Vilma foi uma das pessoas mais surpreendentes que conheci até hoje em meu percurso existencial, fazendo jus, durante toda a sua vida, às adjetivações que seu pai lhe atribuíra ainda criancinha: "lépida, límpida e luminosa". Com o passar desses anos, deixou de ser a filha do escritor que eu admirava desde a infância para se tornar uma verdadeira amiga.

Em todas as visitas que fez a Itaguara, incluindo a inauguração do Museu Sagarana, ela sempre agradecia a oportunidade do contato restabelecido com as suas origens e dizia que a aproximação com a sua terra foi um grande presente no fim da vida. Em perspectiva, posso dizer que Vilma é que foi uma dádiva na vida comunitária itaguarense e, particularmente, uma sublimidade para mim. 

Vilma, conterrânea, amiga fraterníssima e dileta mestra, descanse em paz. Daqui seguiremos, com muitas saudades, o seu legado e o compartilhamento de sua memória e da genialidade literária de seu pai, nosso Cervantes das Gerais. Cordisburgo e Itaguara estão de luto. O céu está em festa, os Rosa se reencontraram: Doutor João, Dona Lígia, Agnes e Vilma agora se abraçam sob um céu mais que azul, ouvindo os cantos das andorinhas, tal qual faziam no distrito conquistano há quase um século. 

De tudo, restarão as memórias, o afeto e a gratidão.

Os relembramentos hão de existir porque a morte não deve ser o fim.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Paulo Freire e a construção de uma ética ambiental para o nosso tempo

Há cerca de três anos, escrevi um projeto de mestrado na área de educação cujo enfoque era a interface entre o pensamento do educador brasileiro Paulo Freire e o saber ambiental. Não cheguei a concluir a inscrição naquele programa de pós-graduação porque optei por enveredar-me pela área das ciências sociais, todavia guardei as cerca de vinte páginas escritas naquela ocasião em minha gaveta.  

Tempos depois, por sugestão de uma afetuosa amiga, a historiadora e mestre em Educação, Luiza Parreiras, decidi desengavetar aqueles escritos e, em coautoria com ela mesma e com outra educadora, a Jossui Basílio, inspiramo-nos naquele projeto para escrevermos um artigo, que foi transformado transformou em um capítulo de um livro publicado no final do ano passado com o título: Esperançar Freiriano. Já nosso capítulo foi intitulado: "À sombra de uma árvore freiriana: reflexões a partir da epistemologia de Paulo Freire".

Capa do livro editado pela Ed. Pedro & João

Assim a professora doutora Dilara Rubia Pereira, supervisora de Ensino da Secretaria Municipal de Educação de Atibaia SP e autora do prefácio do livro Esperançar Freiriano, descreveu o nosso trabalho: “Em tempos de desvalorização da ciência, de pérfidos ataques às relações humano-ambientais e de precarização da vida, deparamo-nos com os escritos de Alisson Diego Batista Moraes, Jossui Basílio Mendonça Maia e Luíza Rabelo Parreira, ‘À sombra de uma árvore freiriana: reflexões a partir da epistemologia de Paulo Freire’, que refletem a questão humano-ambiental de forma transdisciplinar. É proposta uma investigação filosófica, crítica e reflexiva, pautada por uma ética ambiental em uma perspectiva antropológica e humanista, em uma dimensão política de inquebrantável solidariedade mundo-homem. Defendem a condição ético política ambiental ultrapassando os limites de uma disciplina e alcançando as perspectivas de Direitos (Humano, Social, Individual, Coletivo, Difuso, Ambiental), de Cidadania, de Filosofia das Cosmovisões, de Educação, de Ecosofia e da ética biocêntrica”.  

Dilara sintetizou bem o espírito do que propusemos fazer em nosso capítulo: trazer para o plano da reflexão ético-filosófica, questões sensíveis de nosso tempo, como o saber ambiental, entremeio uma era de incertezas e muitas crises (social, econômica, climática, ambiental, política, moral etc), a partir de uma base epistemológica freiriana. Sim, porque Paulo Freire e seu pensamento são mais do que atuais, são absolutamente necessários, sobretudo para a defesa da vida e a edificação de uma ética da sustentabilidade. Afinal, se vivemos uma era de crises, esta também nos oferece oportunidades de trilharmos caminhos novos e, juntos, fazermos a travessia para um novo tempo, no qual deve imperar a consciência ecológica, a autonomia e a solidariedade. Para isso, urge dialogar com a obra de Paulo Freire. Ela pode ser a bússola capaz de nos guiar rumo a uma nova racionalidade.  

Ao convidar você, estimado(a) leitor(a), a ler o livro Esperançar Freiriano, compartilho um inspirador excerto que dá a ideia dos pressupostos éticos defendidos pelo imorredoiro educador Paulo Freire, cujo centenário celebramos no ano passado e cuja obra celebraremos para todo o sempre: “Não renunciamos ao nosso dever de deixar este mundo um pouco melhor do que o encontramos. Esse deveria ser o sonho de todos. Não haveria nada de humano em nós se este não fosse nosso maior propósito".  

Uma vida sem propósito é vazia. Paulo Freire nos oferta a reflexão necessária para deixarmos como maior legado humano um mundo melhor (o que, hoje, significa disseminar uma ética ambiental, a ecologia integral). Não podemos perder tempo, nem a oportunidade.  


* Alisson Diego Batista Moraes, 36, advogado, bacharel em Filosofia e mestrando em Ciências Sociais. É membro do Diretório Nacional do Partido Verde e Secretário de Projetos Estratégicos da Prefeitura de Itabira. Este e outros artigos podem ser lidos no site: www.alissondiego.com.br. 

** Artigo publicado na edição de janeiro de 2022 do Jornal Cidades, Itaguara/MG.


PS: A obra foi publicada pela editora paulista Pedro & João e a versão virtual pode ser baixada gratuitamente por meio deste link: https://pedroejoaoeditores.com.br/site/wp-content/uploads/2021/12/Esperancar-Freiriano.pdf.    


sábado, 25 de dezembro de 2021

Afinal, o que é o natal?

Entre o congraçamento social e a atomização

* Alisson Diego


A resposta pode parecer simples: natal é uma manifestação de fé, a celebração do nascimento de Jesus, o filho de Deus, que é o próprio Deus-encarnado, assim dizem os cristãos.  

Minha questão, no entanto, é de fundo um pouco menos teológica. Quero dizer: como percebemos o natal socialmente no Brasil?  

O natal não é apenas uma noite de encontros familiares e troca de presentes. É, historicamente, um dos mais importantes momentos de congraçamento coletivo e um significativo elemento construtor de sociabilidade.  

O cancioneiro popular brasileiro é uma clivagem interessante para refletir sobre o natal. Adoniran Barbosa, Assis Valente, Chico Buarque, Luiz Gonzaga e até Carmen Miranda cantaram o natal em tons brasileiros há muitas décadas, dentre outras tradições culturais e musicais umbilicalmente ligadas ao natal como a Folia de Reis.   

Nas últimas décadas, a música e a cultura popular têm perdido espaço na temática natalina - juntamente com uma gama de autênticas manifestações nacionais, substituídas por desarmônicos estrangeirismos - frutos do neocolonialismo cultural que nos estão a impingir.


Te tamari no atua (“O filho de Deus”), por Paul Gauguin - 1896.


De volta à reflexão natalina, o que estamos assistindo, ano após ano, é a completa decadência do natal como este importante elemento de sociabilidade e pertencimento comunitário. Diante de uma sociedade cada vez mais atomizada e distante de sua própria história, estamos perdendo a capacidade de envolvimento com os ritos coletivos. Ao perdermos a dimensão social do natal, é possível perceber duas dinâmicas:   

1. Atomização social -  A individualização se acentua, deflagrando um processo de perda de laços coletivos e até mesmo familiares.  

2. Reflexão prejudicada - ao abandonar o natal como rito social, perdemos a oportunidade de refletir sobre questões que incomodam todas as sociedades ditas cristãs.   

O natal é um dos momentos mais propícios para nos debruçarmos sobre os dilemas nacionais, sobretudo a desigualdade tão incômoda quanto normalizada ao longo do ano.   

Neste período, muitos se perguntam e até se indignam sobre as razões das desigualdades sistêmicas neste país. Ao se perder a dimensão do rito natalino, normalizamos a desigualdade e ressaltamos a oportunista narrativa meritocrática.  Não se pode esquecer dos versos de Adoniran Barbosa muitas décadas atrás (eles continuam dramaticamente atuais):  

“Eu me lembro muito bem / Foi numa véspera de Natal / Cheguei em casa / Encontrei minha nega zangada / A criançada chorando / Mesa vazia, não tinha nada”.

Muitas mesas ainda continuam vazias no Brasil assolado pela pandemia em 2021, muitas crianças choram por falta de vida digna neste tempo nosso.   

Quando o natal perde sentido, nosso olhar que precisa ser crítico, mas também de esperança, torna-se unicamente utilitário e relega a solidariedade a último plano.  O natal é também o rito de esperança para milhões de famílias em busca de vida digna. Assim, cantou Chico Buarque em versos natalinos: 

“Pra quem não tem seu tesouro / A vida é só uma esperança”. 

Não se trata da esperança passiva, da espera cômoda, mas da esperança ativa, que provoca reflexão crítica e nos convida a transformar o mundo.  

Para além dos trenós, da neve e das renas - objetos distantes e gélidos, o Brasil é calorosamente rico em manifestações culturais, inclusive as natalinas. É essa cultura popular que pode ressignificar a vida comunitária e trazer alegria, congraçamento e reflexão crítica para a sociedade - preceitos importantes para encontrarmos saídas para os nossos persistentes dilemas nacionais. 

Afinal de contas, para solucionarmos os problemas do país, primeiro precisamos todos nos reconhecer como membros de uma sociedade nacional. 

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Sobre democracia partidária e cupulismo

Os principais jornais do país estamparam nas últimas 24 horas a formação de uma federação partidária incluindo os seguintes partidos: PV, PSB, PCdoB e PT.

A notícia do Correio Braziliense traz os seguintes dizeres: "Os presidentes regionais do Partido Verde aprovaram a criação federação com o PSB, PCdoB e PT em reunião com presidentes estaduais da legenda, nesta terça-feira (21/12). Também foi aprovado o apoio à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula (PT) à Presidência da República." *  

Como membro do Diretório Nacional do Partido Verde e da Executiva do PV-MG e, sobretudo, como politólogo, causa-me estranheza tomar conhecimento de tão importante decisão apenas pela imprensa. A bem da verdade, tem se ventilado há algumas semanas a criação dessa federação partidária. Todavia, não houve, durante o processo deliberativo, qualquer escuta formal ao diretório nacional, tampouco aconteceram debates consistentes para se discutir as teses e bases para a criação dessa federação. Pode-se tomar tão impactante decisão sem se ouvir as bases partidárias?

Até aqui, por tudo o que vi e acompanhei do processo deliberativo sobre a formação da federação, parece-me que aguarda-se dos membros do partido tão somente um referendo acrítico.  A democratização partidária, no entanto, deve exigir, no mínimo, um modelo plebiscitário. Neste sentido, causa-me grande preocupação a verticalização das decisões do partido e a nulidade dos debates internos.

O Diretório Nacional, a meu ver, tem funcionado unicamente como uma mera instância que respalda o processo decisório da cúpula, sem dela participar. Esse desenho institucional não contribui em nada para o crescimento orgânico do partido.  


Annalene Baerbock, líder do Partido Verde alemão apresenta
Programa de Governo. Março de 2021. Photo by Sean Gallup/Getty Images


Minha posição (exclusivamente pessoal enquanto membro do Diretório Nacional do PV) é de que precisaríamos de instâncias horizontalizadas de deliberação - o DN poderia e deveria cumprir esse papel. Em meio a tanta tecnologia, por que não implementar um robusto instrumento de participação e deliberação interna?  Os novos tempos estão a exigir isso dos partidos. É preciso não ignorar esses sinais. Senão, como falaremos de democracia em nossos programas, carta de princípios e nos manifestos, se sequer  a praticarmos internamente?

Não foi por acaso que o sistema partidário brasileiro colapsou e possibilitou o surgimento do Bolsonarismo. Os partidos, sobretudo os de matizes ecológicos, precisariam aprender com todo esse processo e melhorar a sua governança e mecanismos internos de transparência, participação e deliberação. Mas não é o que temos acompanhado. Infelizmente. A maioria de nós toma conhecimento apenas pela imprensa o que se deveria publicizar após amplo debate interno.   

A pergunta incômoda que faço é: os dirigentes partidários querem mesmo um partido político democrático ou se aterão eternamente aos anacrônicos modelos baseados no cupulismo?   

Era o momento de discutirmos as estratégias dos verdes brasileiros diante de um cenário em que  a ecologia política tem conquistado cada vez mais corações e mentes pelo mundo. O bonde da história está passando, nossas narrativas históricas estão sendo apropriadas e estamos nos apequenando.  

Recuso-me a entrar no mérito da criação da federação. Não é sobre isso que estou escrevendo. É sobre a necessidade de se pensar sobre participação, governança democrática e princípios numa agremiação partidária. 

É como diz aquele velho provérbio: “A palavra inspira, mas o exemplo arrasta”. Definitivamente, precisamos da práxis democrática, para além das meras palavras que inspiram, estas aliás estão fartamente descritas em nossos documentos fundacionais.



Alisson Diego Batista Moraes
Secretário de Mobilização do PV/MG 
Membro do Diretório Nacional do PV


* https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/12/4972570-partido-verde-apoia-lula-e-aprova-federacao-com-pt-psb-e-pcdob.html

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

A casca dourada e inútil das horas

Alisson Diego *

Foto de Mario Quintana em 1986
Créditos: Dulce Helfer / Agencia RBS


Muitas temáticas caberiam neste texto. Poderia abordar a COP 26, a propalada Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, avaliar os números recordes sobre o desmatamento na Amazônia, analisar as mudanças na Academia Brasileira de Letras (ABL) com os ingressos de Gilberto Gil e Fernanda Montenegro, escrever a respeito da possível candidatura do ex-ministro Sérgio Moro à presidência da República ou ainda refletir sobre o “fim da pandemia de Covid-19” ou o recrudescimento da mesma, haja vista a nova variante ômicron. Todavia, o Flávio Lara me comunicou que esta edição do Jornal Cidades é a derradeira de 2021. Por essa razão, esta coluna trará tons mais poéticos e, por ora, me distancio um pouco de quaisquer reflexões mais sisudas.

Chegar ao fim do ano significa, necessariamente, refletir sobre os meses que passaram desde janeiro. Impossível não o fazer ou não se influenciar com o clima natalino e de encerramento de ciclo. Desde que o ser humano recortou o tempo, necessitamos avaliar o passado, sobretudo o passado recente, para assim planejarmos, ainda que minimamente, os próximos passos de nossas vidas e nos blindarmos um pouco do imponderável. Não conheço uma pessoa sequer que não passe, em alguma medida, por essa fase de autorreflexão nesta época do ano.

Se por um lado, pensar demais e planejar em excesso pode ser causa de inevitáveis frustrações e balanços decepcionantes ao se constatar metas traçadas e não cumpridas, por outro a ausência de se planejar o futuro pode significar a tão criticada “vida irrefletida” tal qual mencionada por Sócrates, o filósofo grego do qual todos somos um pouco herdeiros. Particularmente, fico no meio do caminho, entre o planejar e o deixar levar. Planejo o “planejável” e deixo levar o que não tenho domínio, bem na linha dos filósofos estoicos (ao leitor que não conhecer o estoicismo, sugiro uma pesquisa e a leitura de Meditações de Marco Aurélio). Aos 36 anos de idade, aprendi que o tempo corrige muitas coisas que nós não dominamos. Aprendi também que, para outras coisas, somente o rigor de uma boa e sistemática organização é capaz de garantir um bom resultado.

Sobre a temática do tempo, muito nos ensina Mario Quintana, o icônico jornalista e poeta  gaúcho falecido em 1994 aos 87  anos. Ele é o poeta predileto da escritora itaguarense Neusa Sorrenti. Mario é autor de um poema conhecido pelo título "O Tempo”, mas que tem como título original "Seiscentos e Sessenta e Seis”, publicado na obra Esconderijos do Tempo, em 1980, que lhe rendeu o renomado Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras (ABL). Para se ter ideia da popularidade deste poema, há milhares de citações sobre ele na internet, além de diversas adaptações e releituras. Uma dessas adaptações adorna uma parede no mítico Bar do Zão em Itaguara.

E o que diz o tal poema famoso? Leia você mesmo(a), estimado(a) leitor(a):


“A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa. / Quando se vê, já são 6 horas: há tempo / Quando se vê, já é 6ª-feira… / Quando se vê, passaram 60 anos! / Agora, é tarde demais para ser reprovado…/ E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade, / eu nem olhava o relógios / seguia sempre em frente…/ E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.”


A grande mensagem contida nos nove versos de Quintana é a premência da vida. Isto é, “viver ultrapassa qualquer entendimento”, como diria Clarice Lispector: O dilema existencial do poeta gaúcho pode ser sentido ao ler esses versos. Dilema de um homem que estava com 74 anos de idade quando escreveu o poema. Ao forjar estes versos e constatar a passagem implacável do tempo e seus efeitos sobre qualquer   um, ele também parece dialogar conosco e nos aconselhar: “siga sempre em frente... E vá jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.”

O tempo é um dúbio ator: é ele que nos impõe a morte como destino comum, mas também é ele que nos torna humanos, nos oportuniza vencer a mediocridade, reinventar a vida e atribuir significado àquilo que valoramos. É a finitude que torna raros os momentos, belas as horas, emocionantes os encontros, os pores-do-sol, as viagens, os abraços, as memórias... 

É tempo de repensar a vida, de frear o consumismo, de controlar o ego, de se permitir mais, de se cobrar menos, de perdoar mais e julgar menos, de pensar e agir coletivamente, de ressignificar a existência.

Adeus, 2021. Que venha um 2022 sem pandemia, com muita solidariedade, compreensão, tolerância e amor. É esta, aliás, a grande mensagem do maior aniversariante de dezembro: “Este é o meu mandamento:  amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” (Jo 15, 9-17).

Apenas a prática do amor será capaz de salvar a humanidade e a nossa Casa Comum.


* Alisson Diego Batista Moraes - artigo escrito para a edição de dezembro de 2021 do Jornal Cidades (Itaguara/MG).