quinta-feira, 26 de junho de 2025

Se o Brasil está melhorando, por que o governo vai mal?

 Artigo originalmente publicado no Portal da Rádio Itatiaia em 19/06/2025 e disponível neste link: https://www.itatiaia.com.br/colunas/se-o-brasil-esta-melhorando-por-que-o-governo-vai-mal



O Brasil gera empregos, mantém a inflação sob controle e cresce acima da média mundial. Ainda assim, o governo Lula segue mal avaliado nas pesquisas de opinião. O que está acontecendo?  

A economia tem mostrado força e vem surpreendendo até os analistas mais céticos. O país cresce mais do que a média dos países da OCDE e dos próprios BRICS. Mesmo assim, a avaliação do governo continua em baixa. Os dados caminham para um lado, mas a percepção popular vai para o outro. A realidade melhora, mas a impressão geral piora. Não é opinião, são os dados: o Brasil bate recorde de empregos com carteira assinada, o setor de serviços está em alta e há geração de trabalho em todos os estados. Os salários também voltaram a subir: o rendimento médio chegou a R$ 3.151 em abril, maior valor desde 2020, segundo o IBGE. No campo fiscal, o país registrou superávit de R$ 14,1 bilhões no mês de abril. O freio de arrumação nas contas públicas está em andamento, ainda que o ajuste fiscal siga sendo um grande desafio.

Apesar de tudo isso, o governo continua patinando na opinião pública. A mais recente pesquisa Datafolha mostra que 40% dos brasileiros reprovam a gestão Lula e apenas 28% a aprovam, é o pior índice de seus três mandatos. Os dados da Quaest, divulgados dias antes, apontam o mesmo caminho: queda geral, sem uma única área com saldo positivo. O governo parece preso em uma armadilha: promove avanços no campo econômico, no âmbito das políticas públicas, na reconstrução institucional e democrática, mas não consegue converter essas realizações em confiança e popularidade.  

Por que isso acontece? Há pelo menos cinco fatores que ajudam a entender esse paradoxo.

Para começar, o poder das redes sociais e das big techs na formação da opinião pública. A desinformação circula com mais velocidade do que os fatos, além de moldar sentimentos, fabricar desgostos e manipular os afetos. Outro dia, um amigo me enviou um meme elogiando o governo Lula. Dois dias depois, o mesmo amigo compartilhou um vídeo de um senador detonando o governo federal. Muita gente não consegue mais filtrar o que lê ou assiste: um vídeo, um meme, uma manchete distorcida... e pronto. Vira verdade absoluta.  

Já o segundo fator envolve desgastes que se originam dentro da própria gestão. Alguns são de natureza estrutural, como os déficits nas estatais, que alimentam a ideia de descontrole fiscal. Outros estão ligados à comunicação simbólica. E aí entra, por exemplo, a visibilidade da primeira-dama. Não se trata de esconder a atuação de Janja, mas de reconhecer que, num cenário tão dividido, toda imagem comunica. Viagens e aparições que não pesam no orçamento podem pesar na percepção popular. E, em nossos tempos, a percepção possui mais força que o fato.  

O terceiro ponto a considerar é o que alguns estudiosos chamam de “fadiga de material”, uma expressão emprestada da física, usada quando uma peça começa a se desgastar após muito tempo sendo forçada. Na política, o termo ajuda a explicar quando a imagem de um líder começa a se esgotar pelo excesso de exposição. Lula está na vida pública há mais de 40 anos. Essa longa exposição tem um custo. Vivemos um tempo em que tudo precisa ser novo; e o “novo”, muitas vezes, vira sinônimo de “melhor”. Nesse cenário, ver sempre o mesmo rosto cansa. Mesmo com entregas do governo, cresce no imaginário popular a vontade de mudança, ainda que mudar possa significar retrocesso. A imagem gasta de quem já governou passa a carregar, injustamente ou não, o peso de todas as frustrações acumuladas.

O quarto elemento desse quadro é o desafio da comunicação política em tempos digitais. O governo possui programas importantes como o Pé de Meia, a expansão dos institutos federais, o novo PAC, o Minha Casa Minha Vida, o Desenrola, o Mais Médicos e a nova Farmácia Popular, mas enfrenta dificuldades para transformá-los em símbolos reconhecidos pela população. Nem mesmo o novo Bolsa Família, mais completo e estruturado, mobiliza como antes. Falta narrativa, falta conexão emocional, falta disputa simbólica. A linguagem continua excessivamente técnica e institucional, longe da forma como as pessoas se informam e se sensibilizam.  

Por fim, o quinto fator é o cenário internacional, cada vez mais turbulento. Lula, que em 2010 foi chamado de “o cara” por Barack Obama diante do G20 e deixava o cargo com mais de 80% de aprovação, agora governa em um mundo bem diferente: mais instável, polarizado e desconfiado da política institucional. Esse desgaste não é exclusivo do Brasil, é global. Na Argentina, Javier Milei vem perdendo apoio. Na Colômbia, Gustavo Petro enfrenta mais de 60% de rejeição. Nos EUA, a desaprovação de Trump supera a sua aprovação menos de cinco meses após sua posse. Emmanuel Macron amarga índices abaixo dos 30% na França; na Alemanha, Friedrich Merz, recém-empossado, enfrenta forte ceticismo; e Pedro Sánchez, na Espanha, governa sob desgaste constante. A crise de confiança nas democracias representativas atravessa fronteiras.  

Está claro que o mundo mudou muito nos últimos anos e a política institucional agora opera sob constante pressão, num ambiente saturado por redes sociais, desinformação e desconfiança. Resultados e políticas eficientes já não bastam para assegurar legitimidade. No Brasil, esse impasse se agrava diante de um imaginário social fragmentado e resistente à mediação racional. A percepção se impõe ao fato. A narrativa vence a evidência. O ruído suplanta o argumento e a imagem toma o lugar da realidade. Governar, hoje, não é apenas conduzir as políticas públicas. Tornou-se, antes, sinônimo de interpretar os afetos sociais e disputar o significado da própria realidade. Onde isso vai dar? A ver.  

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