* Originalmente publicado no Portal Itatiaia em 30/05/2025
Pensar o Brasil exige autenticidade, escuta e compromisso com a esfera pública. Este espaço será dedicado a isso. Num país que oscila entre o improviso e o cinismo, é urgente retomar o valor do que é público, da política como construção republicana, da democracia como prática cotidiana e da palavra como instrumento a serviço do bem comum. Mais do que um exercício de opinião, esta coluna nasce como território de reflexão crítica, compromisso democrático e vocação pública.
Comecemos com um exemplo recente que diz muito sobre nossa cultura política.
Há alguns dias o governo anunciou que aumentaria o IOF para aplicações no exterior, incluindo fundos exclusivos. Pouco depois, recuou parcialmente. O aumento foi mantido apenas para pessoas físicas que realizam operações cambiais cotidianas, como compras e viagens internacionais, mas os fundos mais sofisticados ficaram de fora.
O episódio expôs uma hesitação fiscal e desnudou, mais uma vez, um vício estrutural da política brasileira: a propensão a anunciar antes de consolidar, recuar antes de sustentar e improvisar em detrimento do planejamento. Trata-se de uma disfunção crônica que, é imperativo ressaltar, transcende administrações e se manifesta como um padrão histórico na República. A admissão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que o recuo se deu por pressões e reações do mercado, apenas corrobora esse cenário. O que verdadeiramente sobressai, todavia, é a patente falta de alinhamento entre as esferas técnicas e políticas do governo na formulação de uma medida de tamanha relevância.
Nos bastidores, a movimentação expôs uma fissura delicada: Haddad vem tentando manter o equilíbrio fiscal sem as ferramentas políticas adequadas. Em reunião com os presidentes da Câmara e do Senado, o ministro explicou que, sem a arrecadação prevista com o aumento do IOF (cerca de R$ 20 bilhões), o governo teria de ampliar os cortes no Orçamento, atingindo o próprio funcionamento da máquina pública. Ainda assim, os parlamentares sinalizaram forte resistência à medida, pressionando por propostas mais estruturantes e menos impopulares. A questão é que propostas estruturantes exigem coragem política e uma base sólida, algo que Haddad, apesar da capacidade técnica e do esforço de diálogo, nem sempre tem recebido. O ministro tem sido coerente: quer preservar o equilíbrio fiscal sem desmontar o Estado, mas enfrenta pressões políticas, resistências dentro do Congresso e até no próprio governo.
Tudo isso ocorre num cenário fiscal extremamente restritivo. Segundo dados oficiais, o espaço para gastos discricionários em 2025 será mínimo. O novo arcabouço fiscal estabelece um limite para o crescimento das despesas, e grande parte do orçamento está comprometida com salários, previdência e benefícios sociais. Sobra muito pouco para investimentos e políticas públicas que poderiam mover o país para frente.
A lógica do improviso precisa ser superada. A política fiscal não pode continuar sendo conduzida a partir de pressões conjunturais, sem estratégia e sem visão. Medidas pontuais, como o aumento do IOF ou cortes aleatórios, não resolvem os desequilíbrios de fundo. A única iniciativa realmente estrutural aprovada nos últimos tempos foi a taxação dos fundos exclusivos e offshore, mas isso ainda é pouco diante da regressividade e da concentração tributária que persistem no país.
Enquanto a política fiscal continuar sendo improvisada, o Brasil continuará pagando caro; em oportunidades, em futuro e em dignidade.
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