sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Clube Atlético Mineiro: bicampeão brasileiro - Não é (apenas) sobre futebol

Foto com o Manto da Massa. Novembro de 2021.

Não há nenhum grito entalado na garganta.

Não há nenhum choro cinquentenário represado.

Conquistasse agora ou não conquistasse nunca o bicampeonato brasileiro, a minha atleticanidade (e a de milhões de torcedores do Atlético espalhados pelo planeta Terra) não diminuiria sequer 1%.

Isso porque não é por título, é pela história, não é por glória, é pela memória, não é por emoção, é pelo sentimento, não é por pompa, é pela identidade. Identidade que não se basta mineira, tem de ser mineiríssima e estampada do lado esquerdo no peito. Porque só há Clube Atlético se for Mineiro.   ⁣⁣ ⁣⁣ 

Eu confesso que não escolhi ser atleticano na infância. Não são possíveis tais escolhas em tenra idade, a psicologia nos ensina. Foi o meu pai que escolheu por mim. Para ficar perto dele e sentir proteção e acolhimento paternos, comecei a nutrir incomum afeto pelo futebol jogado pelo alvinegro mineiro. Passei a acompanhar regularmente as sagas futebolísticas atleticanas ao lado de meu pai, pelas ondas de um lendário Motoradio preto dos anos 80, movido a seis pilhas grandes e que meu pai carregava para todo lado, não apenas para ouvir os jogos do Galo, mas também para acompanhar os programas esportivos da Rádio Itatiaia. A principal lembrança que nutro de minha infância é esta: final do dia, meu pai com semblante cansado da rotina bancária, no banheiro fazendo a barba e ouvindo as notícias do Galo na Itatiaia naquele inseparável Motoradio.

O afeto filial logo se transformou em um indestrutível sentimento. Sentimento mesmo porque superior à emoção momentânea e frágil. Sentimento porque envolto em alto grau de componente cognitivo e lastreado em múltiplas conexões. Se a emoção é a reação, o sentimento é construção. Se a emoção é a passionalidade, o sentimento é a amabilidade. Amor dura, emoções passam. Por isso, o atleticano não é um torcedor apaixonado como a maioria dos torcedores. O atleticano é, antes de tudo, um amante. Ama seu time, sua terra, a história e cultiva essas sentimentalidades diariamente.

Naqueles primeiros anos de vida, tomei um caminho sem volta: Sem capacidade de racionalizar o que significava aquela fase da vida, eu me tornara, de fato, um atleticano - sentimento único e expresso no verso de Vicente Motta: “uma vez até morrer”.

Com o passar dos anos, mas ainda na pré-adolescência, todo aquele sentimento se transformou em uma escolha - porque, no fim das contas, ao ser humano cabe sempre escolher. Não há (ou não deve haver) grilhões que nos prendam a nada. Foi uma das mais felizes, fiéis e fabulosas escolhas de minha vida. Escolhi ser contracorrente naquele momento no qual o Galo não tinha excelentes perspectivas e enfrentava anos bastante difíceis, não sem destemor e convicção inabaláveis.⁣⁣ ⁣⁣ Se algum dia da minha vida eu pensei em abandonar o Atlético? Nunca. Infidelidade não combina com atleticano.

À medida que eu crescia, reafirmava a minha opção atleticana. Minha atleticanidade só fez crescer quando fui conhecendo a história do meu time: nem bretão, nem ítalo-brasileiro, mas brasileiro mesmo! Essencialmente mineiro, orgulhosamente belorizontino,  dotado de sublime autenticidade desde sua gênese.

Quando caímos para a série B, renovei, com todas as minhas forças, a minha relação com o Clube Atlético Mineiro. Era Minas Gerais que havia caído. Era toda uma nação que, entre lágrimas, cantava o hino do time no pior momento da história e sofria com o descenso; sem perder o brio, a dignidade e a esperança.⁣⁣ Jamais me esquecerei daquela partida contra o Vasco. No Mineirão lotado, n⁣em uma cadeira quebrada, nem um xingamento, nem uma lata de cerveja arremessada. Apenas pranto e esperança. Ao final do jogo, lembro-me que o ônibus do time foi cercado pela torcida, não para brigar contra o leite derramado, mas para cantar o hino e apoiar mais uma vez a equipe. Nem a tristeza mais dolorosa foi capaz de afastar a Massa de seu time.

Aprendemos, desde muito cedo, que tanto na vida quanto nos gramados é preciso “lutar, lutar, lutar, com toda nossa raça pra vencer”. E como lutamos, time e torcida, Massa e Manto, juntos! ⁣⁣Como não poderia deixar de ser, o Atlético subiu no ano seguinte numa campanha mágica e com a torcida, mais uma vez, demonstrando porque é especialmente única.

Todos os atleticanos sabemos muito bem que o Clube Atlético Mineiro, o nosso amado Galo, nunca significou apenas uma paixão por um clube de futebol. É muito mais que isso. Sempre foi muito mais que isso.⁣⁣ ⁣⁣ 

Quando o meu pai dessa existência partiu, inesperada e dolorosamente, em 2013, o meu maior alento foi que ele viu o título da Copa Libertadores da América vencida heroicamente pelo Galo. A vitória ocorreu apenas algumas semanas antes de sua precoce partida. Nunca o vi tão feliz em toda a minha vida. Aquele título foi o verdadeiro e consolador canto do cisne. 

Definitivamente, não é sobre 11 homens correndo atrás de uma esfera de ar revestida por couro sintético.

Então é sobre o quê? 

É sobre o Mineiro estampado no peito, é sobre nossa Minas Gerais que tanto amamos, é sobre origens comuns, é sobre aprendizados e superação, é sobre autoafirmação e sociabilidade, é sobre o sangue de meu pai e meus avós que corre, geneticamente alvinegro, em minhas veias latinas, é sobre resiliência e amor - genuíno, desmedido, ilimitado amor. ⁣

É ainda sobre brasilidade em nosso sangue e a mineiridade em nossa alma. ⁣⁣ ⁣⁣ 

No fim das contas tudo advém da mesma fonte: do amor. É sobre amor. Sempre foi.⁣⁣

O futebol nos ensina isto: o ser humano é capaz de superar, se emocionar e, humanamente, sentir. Não há salvação onde não há sentimento. E ser Atleticano é transbordar sentimento! 

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