Imagens de satélites da Nasa atestam focos de incêndio. Agosto de 2019 |
Já de início pode-se responder convictamente à pergunta-título deste modesto artigo: Temos, como brasileiros e, sobretudo, como seres humanos, tudo a ver com o que acontece na Amazônia e isso nos deve interessar por várias razões. Limito-me a expor três delas a seguir.
Primeiramente, parto do pressuposto de que nenhum de nós quer a extinção da humanidade. Parece um tanto quanto extremismo dizer que a humanidade corre riscos de extinção, mas, quando se analisa bem a fundo a questão, é disso que se trata. Em agosto do ano passado, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, órgão das Nações Unidas), reunido em Incheon, na Coreia do Sul, alertou sobre as consequências drásticas do aquecimento global para a humanidade, em um vasto documento, elaborado pelos maiores especialistas do mundo.
Para aqueles que não acreditam em mudanças climáticas, recomendo fortemente a leitura de um livro que acabei de ler, fruto de uma extensa pesquisa. A obra se chama “A terra inabitável: Uma história do futuro”, de autoria do jornalista norte-americano David Wallace-Wells, editor da New York Magazine. No livro, Wells explana acerca dos danos ao meio ambiente e a necessidade de se agir rapidamente em prol da natureza para tentar minimizar uma verdadeira catástrofe climática.
Em recente entrevista, o escritor declarou: “As condições nas quais viveremos serão absurdamente diferentes. Tudo se transformará traumaticamente. Os impactos em outras espécies serão mais dramáticos ainda, já que a maioria deles é muito menos adaptável do que nós (…) Tudo que conhecemos será alterado e, em muitos casos, destruído. E é isso que mais me assusta: o fato de que tudo que conheço está sob ameaça. Isso nos chama à ação. Tudo que amamos vai mudar.”
E o que propriamente a floresta amazônica tem a ver com o aquecimento global? A Amazônia é o habitat mais dinâmico do planeta. A maior floresta tropical do mundo possui a mais rica biodiversidade da Terra, é capaz de armazenar uma quantidade imensa de carbono, ajudando na desaceleração do aquecimento global, destacam os cientistas.
Em segundo lugar, os incêndios na região amazônica nos importam a todos os brasileiros porque possuímos o inarredável dever de cuidar de nosso patrimônio, que possui um valor universal, mas é nosso. A selva amazônica permeia vários países, mas sua maior parte encontra-se em território brasileiro e, à medida que cuidamos mal da maior floresta do planeta, isso por si só justificaria arroubos de planos de invasão de potências estrangeiras – mesmo não concordando em hipótese alguma com quaisquer justificativas dessa natureza, é com base nisso que outras nações poderiam se aventurar por nosso território e não devemos dar qualquer chance a essa possibilidade que fere de morte a soberania nacional.
Por fim e não menos importante, a terceira justificativa se dá por uma razão bastante óbvia: porque somos humanos e como membros da humanidade, pressupõe-se que somos dotados de sensibilidade, ou seja, somos (ou devemos ser) capazes de sentir, de nos compadecer com qualquer sofrimento alheio. Sofrimento que não se restringe a membros de nossa espécie. Além da flora, milhares de animais foram mortos com as queimadas criminosas na Amazônia, animais que sentem dores e que, por possuírem sistema nervoso central, fazem com que as suas dores sejam muito similares à dor humana. Não imagino presenciar um ser humano ou um animal queimando em chamas sem sentir o mais alto grau de compaixão.
Os brasileiros já compreendemos tudo isso, pelo menos a maioria de nós. Segundo dados recentes do Instituto DataFolha, para 75% dos brasileiros, o interesse internacional na Amazônia é legítimo e a floresta está correndo riscos. Defendem 66% dos entrevistados que o Brasil aceite recursos estrangeiros para aplicar na região. Ressalte-se ainda que, para 51% dos entrevistados, a gestão do presidente Bolsonaro no combate ao desmatamento e a queimadas é considerada ruim ou péssima.
Lamentavelmente, a cada ano as queimadas têm ficado cada vez mais comuns e podem ser associadas aos desmatamentos criminosos. É uma tragédia protagonizada diariamente e acentuada em níveis assustadores. Para se ter uma ideia, para a derrubada das árvores, os criminosos utilizam escavadeiras com correntes empurrando-as para o chão. Em regra, isso tem acontecido na Amazônia inteira durante décadas para a expansão das áreas agricultáveis. Nos últimos anos, o assassinato da floresta acelerou devido a uma ofensiva por desenvolvimento. Governos anteriores foram incapazes de lidar efetivamente com o problema, mas, ao menos, não incentivavam essa prática. O discurso do presidente Bolsonaro deliberadamente tem incentivado essas ações. Basta fazer uma busca rápida pela internet para se inteirar das declarações, no mínimo, muito imprudentes de Bolsonaro acerca deste temática, desde quando sequer era candidato ao cargo que atualmente ocupa.
A verdade nua e crua, inclusive revelada por uma recente reportagem da BBC, é que as unidades de conservação onde a floresta está inserida, estão sendo invadidas e destruídas a passos largos, por gente que está marcando lotes, grilando terra. “Os números do desmatamento podem ser muito maiores do que imaginamos”, disse uma fonte à reportagem. É quase impossível imaginar, mas os dados mostram que uma área equivalente a um campo de futebol é destruída a cada minuto. Por dia, são 2 mil campos de futebol ou 16 mil hectares de florestas destruídos.
Além dessas razões expostas, há outras centenas que não caberiam aqui neste breve artigo de opinião. Sublinho que sou favorável ao desenvolvimento sustentável daquela região, empreendido com absoluto respeito ao meio ambiente, aos indígenas e às populações locais, entretanto, o que se tem visto atualmente por lá é crime da pior espécie, ecocídio mais abjeto possível e o mais cruel e covarde extermínio da nossa flora e da nossa fauna.
É, por fim, uma questão ética o cuidado com o meio ambiente, afinal, a ‘casa comum’ - expressão de Papa Francisco na celebrada Encíclica Laudato si; e relaciona-se com a herança que cada geração recebe de seus antecessores, possuindo, pois, a tarefa de transmitir às gerações futuras sempre algo melhor. As gerações vindouras sempre nos rememoram que o amanhã deve ser olhado com esperança e atitude.
O próprio Pontífice fez questão de saudar, em junho deste ano, os participantes do encontro Internacional “A Doutrina Social da Igreja, das raízes à era digital” com a seguinte frase: “Que o desenvolvimento de uma ecologia integral, torne-se sempre mais uma prioridade a nível internacional, nacional e individual.
A posição do papa é a mais coerente possível. Só há uma saída para a humanidade: a ecologia integral.
* Alisson Diego Batista Moraes
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