segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Somos todos filósofos nestes tempos de pandemia?

    O popular escritor, jornalista e palestrante norte-americano, Eric Weiner, publicou um artigo, há algumas semanas, no The Wall Street Journal (WSJ) entitulado “Filosofia para um Tempo de Crises” (livre tradução). Weiner defendeu, categoricamente, nas páginas do WSJ que, devido à pandemia que nos acometeu enquanto humanidade, todos os viventes, de uma maneira ou de outra, tivemos de nos colocar diante de nós mesmos e enfrentar nossos piores medos e angústias individuais e coletivos. Isso, por si só, teria recolocado a filosofia (outrora esquecida e relegada às páginas rotas dos livros acadêmicos) novamente na centralidade da vida humana.

    Afora o exagero e a retórica publicitária (típicos de grande parte dos palestrantes e elementos presentes em diversos momentos no artigo referenciado), a argumentação de Weiner faz algum sentido porque o fato é que não houve um ser humano sequer que não tenha sido afetado de algum modo pelos efeitos psíquicos, econômicos, sociais ou mesmo físicos advindos destes tempos pandêmicos.

    Entretanto, não é qualquer filosofia que deve ser evocada nestes tempos, de acordo com o escritor estadunidense. São os antigos gregos e os existencialistas franceses os possuidores da chave da sabedoria filosófica capaz de abrir nossas mentes fechadas e doentias nestes tempos obnubilados e promover uma “cura lenta”. É a filosofia compreendida como “medicina prática e terapêutica para a alma”. Ou seja, o autor está se referindo ao estoicismo e ao existencialismo - duas das mais conhecidas “correntes filosóficas”, distantes temporalmente e conceitualmente, mas unidas, oportunisticamente, pelo jornalista. 

    Sou tomado de um juízo radicalmente crítico quando assisto aos aproveitadores que tentam amoldar o saber filosófico na vala rasa da auto-ajuda ou nos potes diminutos fabricados pelos parlapatões da “onda coach” (ou seria um tsunami?), mas sou igualmente crítico quando os acadêmicos insistem em isolar a filosofia do povo, das ruas e da realidade, adornando-a com uma aura de transcendentalismo e inalcançabilidade. Se o saber filosófico não é algo simplista (e, de fato, não é mesmo), também não pode ser algo apenas adstrito aos muros da academia. A filosofia, como ensinou muito bem Sócrates, pode e deve ser feita a partir das ruas, vencendo os mitos com o exercício da capacidade crítica – questionarmos nós mesmos e também questionarmos o mundo e a sociedade.

    O artigo do Weiner contém algumas inconsistências relevantes, mas reconheço que possui o mérito de tentar (assim como Mário Sérgio Cortella, Karnal, Pondé e outros tantos o fazem) trazer as reflexões (filosóficas ou não) para perto do povo. Isso, seguramente, é muito melhor do que nos acostumarmos à passividade e ao conformismo acrítico. Se obras como a de Weiner ou de Pondé ao menos instigarem a curiosidade intelectual ou existencial já terão cumprido um bom papel. Ao curioso leitor, caberá decidir se aprofundará na busca pelo libertador conhecimento filosófico ou se deixará agrilhoar pelas amarras sociais e culturais tão confortáveis quanto ilusórias.

    Compartilho um trecho do mencionado artigo que, embora simplista, estimula-nos a refletir sobre o papel da filosofia nos dias de hoje: “A filosofia nos ajuda a desembaraçar as complicadas questões éticas levantadas pela pandemia, mas também pode nos ajudar a responder dilemas muito mais pessoais, mas igualmente urgentes: Como suportar o insuportável? Como encontrar certeza em um universo incerto? A filosofia não oferece respostas fáceis, mas reformula nossas perguntas e altera nossas perspectivas - uma habilidade que é útil durante os bons tempos e inestimável nos tempos ruins”.

    Se é verdade que a filosofia nasce do espanto, como argumentou Aristóteles, a Covid-19 pode, ao nos espantar a todos, ter acendido alguma centelha de instigação filosófica em muitas pessoas. Não deixe essa centelha se apagar. Nutra-a com estudos e reflexões.

    PS: Se você, estimado(a) leitor(a), se interessar em adentar no universo filosófico, não sugiro que leia Weiner, mas sim um livro que há muitos anos entusiasma estudantes de todo o mundo e pode ser encontrado facilmente em qualquer livraria ou mesmo em nossa Biblioteca Pública Guimarães Rosa. O livro se chama “O Mundo de Sofia” e o autor é o Jostein Gaarder. Não importa a sua idade, nível de instrução, ocupação profissional ou posição social, se você quer ser instigado(a) pela filosofia, leia este livro!


* Alisson Diego Batista Moraes, 35, bacharel em Filosofia (UFMG), advogado (UIT), MBA em Gestão Empresarial (FGV) e mestrando em Ciências Sociais (PUC Minas). Artigo escrito para a edição de janeiro de 2021 do Jornal Cidades, Itaguara/MG.

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